Conto de Natal

Estava escuro e no pequeno quarto em que se encontravam, só podiam ver vultos e pequenos contornos de pessoas e objetos. Sim, não havia luz elétrica ainda e a situação os jogou naquele pequeno cômodo. Era sujo e não cheirava bem. Tinha-se a impressão de que animais por ali passavam constantemente, talvez até pernoitando ou fazendo daquele lugar o seu lar momentâneo. Não tinham escolha, estavam fugindo há alguns dias e a gravidez da mulher o forçava a procurar um lugar para que pudessem pousar.

No momento eram só os dois, ou três como queiram, apesar de terem a sensação de estarem sendo observados por outros. A dor que a mulher sentia fazia com que ele mesmo se contorcesse, e sua impotência diante de tal cena o deixava ainda mais frágil. Já não sabia em que acreditar, porém, não deixaria de ter fé que tudo iria se resolver. Fé em que? Agora não importava.

Saiu à porta, olhou em volta procurando ajuda ou alguém que pudesse orientá-lo, mas não encontrou ninguém. Olhou para cima como quem procura alento nos céus, clamando em seu coração uma ajuda divina. Porém, somente estrelas e uma leve brisa que num pequeno momento o acalmou e o levou de volta para dentro do cômodo, onde sua mulher (futura esposa, atual compromissada) estava a sentir dores. Seus gritos o deixavam perdido e apenas segurava sua mão, deixando os acontecimentos por conta das horas.

Não podendo mais segurar ou esperar ajuda, o bebê começou a nascer, porém, não sabe como conseguiu, ele mesmo amparou-o, segurando seu pescoço por baixo e trazendo com a outra mão sob as costas do pequenino. Nesta hora o escuro não o incomodou, era como se a luz das estrelas e da lua fossem suficientes para que ele fizesse toda a operação. A dor da mulher foi substituída por um grande alívio para ambos, pois além de passado o pior momento, a felicidade da contemplação da criança os encheu de alegria e ternura, e ao ouvir o choro do filho, foi como se ouvissem um coro celestial louvando o nome do Criador por este momento sublime.

Usando uma pequena corda de sisal, amarrou e depois cortou o cordão umbilical do menino, pegando-o nos braços e enrolando num tecido que havia sido preparado pela avó especialmente para esta ocasião. Seu choro cessou imediatamente quando chegou aos braços da mãe, que por sua vez, passou a chorar, suavemente, de alegria.

O pai, olhando para a mulher e o filho, naquela penumbra, numa cena que poderia servir de inspiração para grandes pintores, lembrou de seus tempos de criança e de tudo que havia passado até chegar àquele que já havia sido eleito o grande momento de sua vida. Olhando para o filho, reviu sua vida como um filme que passa diante dos olhos. Quem ainda não passou por esta situação não imagina como é possível. Pensou nas coisas boas e ruins, e decidiu o que queria para a vida daquele que como milagre, por estas razões que desconhecemos, Deus tinha colocado em seu caminho.

Ouviu grande movimentação do lado de fora e grande burburinho nos arredores. Chegou novamente à porta, e desta vez não teve dúvidas: não estavam mais sozinhos. Olhou novamente para a esposa e o filho e chegou-se a eles. Beijou a mulher na testa, ela chorando. Passou as costas da mão de leve no rosto do filho, e levou sua mão a boca, dando um beijo na palma da mão e levando de novo ao rosto do filho. “Não vou mais fugir” disse para a mulher. Estava feliz com essa decisão.

Chegou novamente à porta. Olhou em volta, jogou a arma para fora, tirou a camisa e foi em direção às luzes vermelhas dos carros da polícia com as mãos na cabeça. Nesta hora não pensou em si e somente lembrava de pedir ajuda para a mulher e o filho que estavam dentro do cômodo. Foi abruptamente lançado ao chão por um policial mais exaltado e temeroso de seus movimentos. Mas, ninguém acreditava na calma e no sorriso estampado no rosto daquele que era um dos bandidos mais procurados dos morros cariocas.

A visão do filho nascendo foi suficiente para que o amor desabrocha-se do coração duro e severo daquele homem. Talvez ele não conhecesse o amor verdadeiro. O amor impregnado de um filho em sua própria pele, músculos e órgãos, ele o sentia como um pequeno pedaço seu. Iria, dali para frente ser diferente. Não por ele mesmo, pois achava que não merecia, e após tantas coisas erradas que havia feito, não tinha direito a perdão. Mas, por amor de seu filho, ele daria sua vida, para que o filho não tivesse o mesmo fim que ele. Naquele dia, entendeu a mensagem do homem que nasceu para salvar o mundo. Entendeu que o fruto do amor é a esperança que precisamos para seguir adiante e nos arrepender de nossas falhas e tentar nos corrigir. Entendeu o que é dar a vida por outra pessoa, pessoa esta que ele amava o suficiente para isso.

Escutou-se grande barulho de fogos de artifício, daqueles que se escuta nos morros quando a polícia se aproxima. Estampidos secos do lado direito e policiais se jogaram no chão. O policial que o segurava o soltou. Ele fica deitado, neste momento olhando para cima, no chão de terra úmida, ele contempla as estrelas e sente mais uma vez a brisa em seu rosto. Os policiais, que estavam ali por sua causa, se chegam formando um círculo ao seu redor, formando uma sombra sobre seu corpo. Já não escuta muita coisa, o som vai sumindo, ele, com dificuldade move a cabeça para o lado e vê entre as pernas dos policiais sua mulher e sua cria sendo amparados por enfermeiros. Ambos estão bem. O silêncio chega. Já não pode sobreviver. Fica aonde caiu, sem socorro. Mas, está feliz. Seu gesto de se entregar salvou seu filho e mulher. Já não vê mais as estrelas. Sim, ele crescerá. Será belo. Terá os bíceps e os olhos do pai. Terá o coração e a cabeça da mãe. Obrigado Deus, por me dar a chance de me redimir ante ao nascimento da criança, de me arrepender de minhas falhas, de conhecer o seu poder. Obrigado pai, por ter dado a vida por mim!