Um conto de natal

Num país distante, havia uma cidade de interior quase esquecida pelos seus governantes. Era privilegiada em sua topografia que contava com cachoeiras, cascatas, florestas, rios e uma enorme quantidade de flores que a enfeitavam como uma moldura colorida, realçando a paisagem delicada do lugar.

Era uma pequenina cidade, onde todos os moradores se conheciam. Como estava distante dos grandes centros, a comunidade desenvolveu um modo próprio de solidariedade, de tal sorte que todos pudessem lidar com as dificuldades inerentes as condições que viviam.

O natal se aproximava e, neste ano, toda a cidade estava envolvida num clima de profundo desânimo, pois não chovia há muito tempo e quase toda a plantação, que era a fonte de renda da localidade, havia se perdido restando bem pouco para o sustento de todos.

Um jovem de seus dezesseis anos, abatido com toda a situação, afastou-se da cidade indo até as montanhas. Perambulou por horas sem fim até que, cansado, sentou-se no topo de uma das montanhas apreciando sua cidade lá embaixo. Seu coração apertou-se e mesmo não sendo mais criança, sentiu os olhos arderem, numa expressão da tristeza que o assolava naquele momento.

Lamentava que não tivessem a festa de Natal como nos outros anos. Presentes, mesa farta, uma alegria sem fim.

Tão distraído estava que se assustou ao perceber alguém se sentando ao seu lado.

Olhando para ele estava um ancião. Vestia-se despojadamente, trazia nas mãos um cajado, igual ao que já vira em alguns poucos livros que lhe haviam mostrado algumas vezes. Mas o que mais o impressionou foram os olhos. Que olhos! De um azul límpido como as águas de um riacho, reluziam tal qual as estrelas, em noite de lua cheia. Eles o fascinaram tanto que demorou a responder-lhe.

Que faz aqui? – perguntou-lhe o ancião.

Caindo em si e percebendo a indelicadeza de encarar o estranho, desculpou-se e de pronto respondeu.

Estou apenas a pensar, meu senhor.

E o que um jovem tão novo tem tanto o que pensar em vésperas de festa? Não deveria estar participando dos preparativos com seus amigos?

Claro, meu senhor. Mas é que esse ano ninguém esta preparando nada. Não há o que se festejar. Não temos muito alimento, nossa plantação perdeu-se quase que por completo, não há enfeites, não há presentes e muito menos razão para uma festa.

O velho senhor olhou bem para o jovem, e depois para a cidade, lá embaixo. Tão pequenina e, no entanto linda visão. Um belo quadro para se guardar na memória e quem sabe um dia, retratar em alguma tela, com a intenção de perpetuar imagem tão delicada.

Novamente dirigiu-se ao jovem e perguntou-lhe

Não há o que comemorar? Acaso estarei enganado? Não estamos na época do Natal?

Sim, meu senhor, certamente que sim. O que disse é que não há motivo para festejarmos e todos estão tristes demais.

O ancião permaneceu silencioso, então se levantou, bem mais facilmente do que se poderia supor vendo-lhe a aparência. Apoiou-se no cajado virando-se para ir embora. Antes que o menino tivesse tempo de se levantar também ele disse:

Que dia é seu aniversário? Ao que o menino respondeu: Dia sete de março, senhor.

E, quando seu aniversário chega você gosta de comemorar?

Claro! Já mais animado levantou-se e se pôs a contar como haviam sido seus aniversários. Entusiasmado não economizou detalhes divertindo o sábio enquanto se entretinha com as histórias do jovem rapaz.

Quando terminou, o velho disse: Que pena que esse ano não irá festejar, não é mesmo?

O rapazinho se apressou a responder: E por que deixaria de comemorar? É meu aniversário.E nesse dia, adoro festejar. Gosto de estar com amigos, de ser abraçado, enfim, adoro comemorar meu aniversário!

Mas não festejará esse ano, uma vez que provavelmente não haverá chuva até lá e assim, não terá motivos para comemorar.

Aturdido o jovem pergunta: E o que uma coisa tem a ver com outra? Meu aniversário independe da chuva!

Ah! Sim? Interessante... E poderia me dizer por que, o aniversário de Jesus depende tanto da chuva, para ser comemorado em sua cidade?

O jovem abaixou a cabeça pensando no que o velho havia dito. Quando a levantou novamente para responder-lhe, viu que estava só, o velho havia partido, tão silenciosamente quanto havia chegado e sem se despedir.

Vendo-se só, desceu a montanha e ao chegar na cidade, tocou o alarme que havia na praça central.

Quando todos estavam presentes, falou:

Meus amigos, hoje todos nos vamos nos organizar e enfeitar nossa cidade. Precisamos correr para estar com tudo pronto na noite de Natal.

Houve um burburinho e depois de muita confusão o chefe da comunidade pedindo silêncio falou:

Meu filho, talvez o tempo que tenha passado sozinho nas montanhas tenha afastado de sua cabeça nossos problemas. Não temos o que comemorar e nem como organizar uma festa.

Sei disso, senhor, e afianço-lhe que de nada me esqueci. Mas gostaria de fazer uma pergunta, disse o jovem não se dirigindo a ninguém em particular:

O fato de não comemorarmos impedirá de ser o aniversário do Menino Jesus? Se não podemos enfeitar com motivo de Natal nossa praça, temos as flores, que apesar da seca conseguiram sobreviver. Temos algumas palhas, que podem se transformar em enfeites originais.E contamos com nossos olhos que serão as luzes enfeitando essa noite especial.

Se não podemos trocar presentes, podemos nos abraçar e cantar a noite toda e por fim, se não podemos servir uma bela ceia, podemos conversar bastante, e nem sentiremos o tempo passar.

Ao ouvirem o rapazinho tão animado todos se envergonharam e por um momento o silêncio foi geral. Como num passe de mágica, começaram a sorrir até que um deles gritou que ele estava certo, que fariam exatamente assim. Todos se contagiaram e passaram a organizar-se para a Noite de Natal.

Dizem que foi a mais linda festa de Natal que esta cidade já organizou. De longe se ouviam os cantos e os sorrisos e toda a natureza se enfeitou Quem passasse por lá ficaria encantado com a Luz que reluzia por toda a região sem entender de onde vinha. Conta-se que naquela noite, caiu a maior chuva de todos os tempos e que nunca mais houve seca no lugarejo.

Assim seja em todos os lares. Não dependemos das coisas para comemorarmos o Natal. Apenas de nossa alegria, boa vontade e amor.

No aniversário de Jesus todos são convidados e a festa a organizamos dentro de nosso coração.

Um feliz natal a todos. E que nossa cidade seja como esta, um foco de Luz, Harmonia e autêntica Solidariedade.

Priscila de Loureiro Coelho

(Reeditei por estarmos na época do natal).

Priscila de Loureiro Coelho
Enviado por Priscila de Loureiro Coelho em 02/12/2005
Código do texto: T80206