UM LUGAR À MESA

È noite de Natal. Anette vai até o quarto de sua mãe para lhe desejar boa noite, como sempre faz. A enfermeira já cuidou dela e assim terminaria mais um dia de silêncio, como foram todos ao longo de doze anos: no parto da filha, Henriette após ser anestesiada, entrou em coma e permanece até os dias de hoje. Este fato a faz sofrer muito, que se responsabiliza pelo acontecido, como se tivesse culpa. Beija a mãe, diz boa noite a enfermeira e esta lhe deseja Feliz Natal. Ela pára, se vira, e pergunta apenas por perguntar:

_Hoje é dia de Natal? Patrick, seu pai, não acredita em Deus, nem em Papai Noel, só acredita em si mesmo e ensinou a filha a também ser assim: as pessoas são pelo que fazem, não pelo que rezam.

_Sim, meu bem. Hoje nós comemoramos o nascimento do menino Jesus; nos reunimos em família para a ceia de Natal.

_Nós não acreditamos nisso. Mas, você vai passar a noite com a minha mãe, como vai fazer pra se reunir com a família?

_Infelizmente não vou poder, tenho que trabalhar pra ajudar no sustento da casa, meu marido ganha pouco, não pôde estudar, assim como eu. Mas, já-já, vão ligar pra me desejar Feliz Natal e no meu lugar à mesa vão colocar um retrato meu. Os presentes das crianças estão ao pé da árvore de Natal, junto com o presépio, após a ceia, elas os abrem.

_Que legal! Queria que minha família fosse assim. Anette suspirou, olhou para a mãe e a imaginou à mesa como se fosse um retrato em carne e osso, abaixou a cabeça e saiu do quarto. Dirigiu-se para o escritório do pai, que também lhe servia de quarto desde aquele dia fatal. Ele passava a maior parte do dia entre os escritórios da cidade e de casa, fazendo investimentos e especulações no mercado e na bolsa de valores, donde conseguiu amealhar fabulosa fortuna. Anette entrou no quarto, seu pai que estava ocupado no computador, parou para lhe dar atenção. Ela abraçou-o e deixou a cabeça recostada no seu peito por algum tempo; depois, lhe beijou, lhe deu boa noite e se afastou. No meio do caminho até a porta, sussurrou, timi- damente,Feliz Natal.Ele, sobressaltado, perguntou:_O quê? Mas ela saiu rapidamente pra não dar explicação.

Patrick, após a saída da filha, desligou o computador e ficou pensando na vida.Entendera muito bem o que ela dissera: Feliz Natal...Quanto tempo eles não eram felizes em tempo nenhum. Anette, é uma menina cheia de predicados, mas triste, ele a fizera assim; os empregados da casa são, obrigatoriamente, assim; os móveis, cortinas, objetos, o jardim, tudo, enfim, naquela enorme casa é triste: como Patrick. Levantou-se e foi para o quarto da esposa. Ficou observando-a, ainda era muito bela, apesar do longo tempo vegetativo. Lembrou-se dos bons momentos que passaram juntos, ela era muito jovial, de uma alegria contagiante; grávida, imaginava Anette – nome de sua escolha - vestindo as roupinhas que comprara; embalava, abraçava e cheirava aquelas peças com tanto amor e desvelo, como se soubesse que somente isso lhe estava destinado. Ele não quis presenciar o parto, não queria vê-la sofrer, assistiria o filme depois, se lhe desse vontade. E o momento que era pra ser de felicidade máxima, se tornou o início de uma vida de tristeza e abdicação.Conteve as lágrimas, beijou a esposa ternamente e se despediu da enfermeira:

_Boa noite, enfermeira.

_Boa noite, Sr. Patrick. Feliz Natal!

Patrick parou com a mão na maçaneta da porta, pronto para abri-la, voltou-se e perguntou para a enfermeira:

_Como é mesmo o seu nome?

_Nazareth!...Maria de Nazareth.

_ Maria de Nazareth!...Obrigado, igualmente.

No corredor, indo em direção ao seu quarto, encontrou sua filha parada em frente a porta de seu quarto, indecisa se entrava ou não. Abraçaram-se e Anette, carente, comovida, lhe pediu:

_Pai, vamos comemorar o Natal esta noite, aqui em casa?

_Nós não acreditamos nisso, filha.

_Eu acho que acredito.

_Acha?

_Nós convidaríamos todos os empregados da casa e faríamos uma festa de Natal. A Nazareth...

_A Nazareth! Tinha certeza que ela estava metida nisso.

_Pois é, pai! A Nazareth me ajudaria a organizar a festa, ela tem muita experiência.

_Tudo bem! Por você eu faço tudo.

_Sério, pai? Não brinca. Eu vou adorar.Posso falar com a Nazareth?

_Não!

_Não???

_Não, tenho uma idéia melhor, depois você combina os detalhes com ela. Pegou um sinete, a filha pela mão e foram para a grande sala. Pôs-se a tilintar o pequeno sino e logo todos os empregados acorreram para o local. Nazareth do alto da escada observava curiosa.Patrick acalmou-os, dizendo que não era nada trágico, muito pelo contrário e continuou:

_Anette quer falar com vocês e eu faço minhas as suas vontades; mas, não é uma ordem, é um pedido.

A menina de doze anos se sentindo muito importante, radiante de felicidade, meio sem jeito, começou:

_Bem, gente! Eu e meu pai..., minha mãe também, queremos convida-los a participarem de nossa festa de Natal. Foi um espanto geral, um olhando pro outro, abismados. Murmúrios, expressões de surpresa, de dúvidas, de incredulidade, marcavam o rosto de cada um. Nazareth iniciou uma salva de palmas e logo todos a acompanharam. Anette, com os olhos brilhantes de felicidade, pediu com as mãos uma pausa para ela continuar a falar:

_Gente, só que eu não entendo nada de festa de Natal, vocês vão ter que me ajudar. Todos responderam afirmativamente, entusiasmados. Ela continuou:

_Vocês podem convidar seus filhos, maridos ou esposas para participarem. Jesus, nosso motorista, se encarregará de traze-los até aqui. Madalena, nossa chefe da cozinha, providenciará todos os pratos típicos de Natal; se faltar alguma coisa, peça para o Pedro ir buscar; aproveita para comprar enfeites e também uma árvore de Natal e um presépio. A Nazareth e eu vamos organizar a parte social: não é Nazareth?

Patrick olhava para a filha com orgulho e ao mesmo tempo, nostálgico: parecia Henriette coordenando os afazeres da casa.

Em pouco tempo a casa se transformou; a sala enfeitada com guirlandas, festões, bolas coloridas, luzes piscantes; mesa posta para cinqüenta pessoas; o presépio; uma grande árvore montada em lugar estratégico, cheia de presentes ao redor; até organizaram um amigo secreto.

As pessoas foram chegando e se agrupando familiarmente na grande mesa. Nazareth arrumou Henriette e numa cadeira de rodas a levou para a sala : ela estava com o semblante sereno, esboçava-se um sorriso. Todos estavam em pé, em seus lugares, aguardando sua chegada. Nazareth colocou-a entre o marido e a filha, seu lugar à mesa. Anette beijou-a e desejou:

_Feliz Natal, mamãe!

Uma lágrima brotou dos olhos de Henriette, rolou pelo rosto, parou no queixo, transformou-se em gota e caiu em seu colo alvo.

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