Zatara

Zatara

I

Mais uma vez ando pelas ruas dessa cidade amaldiçoada, acho que preciso me mudar caçar em outros terrenos, mas foi tão difícil conquistar esse, graças aqueles almofadinhas. Éh... Vou ao Jimmy ver o que há de novo, talvez algo lá me anime uma briga de garrafas ou um jogo de sinuca com bolas voadoras. Hum... O que é esse cheiro... Isso me apetece... Adrenalina... Acho que vou fazer um lanche...

Sempre esse beco, o velho beco da rua 33, úmido, fétido, um dos lugares mais aconchegantes, para quem já dormiu ao relento.

-- Argh! – grito, de uma loira de seios fartos, arrancado a murros no fim do beco.

-- Sua vadia eu já falei que não se brinca comigo – um jovem levemente adulterado esmurrando uma vadia qualquer. Tudo normal nesses cantos da cidade.

-- Não é assim que se trata uma dama. – não que ela seja.

-- Se mete na sua vida cara, essa mulher é minha.

Em um piscar de olhos o encaro de fronte causando nele um imenso terror.

-- Pode repetir, por favor, é que eu não entendi muito bem – com as mãos na garganta do distinto cavalheiro – E a senhora como está? Sente-se aí e admire o show. -- sem reação, a loira observa tudo imóvel, esmurrada e encostada na parede.

Sem ar, o jovem ainda tenta esboçar uma reação, mas não consegue com minhas presas em seu pescoço, a loira tenta gritar, mas o espanto cala sua reação e o grito sai mudo, pouco antes de sentir meu copo frio colado no dela. Eu admiro as formas femininas. Elas são tão... Belas e seu cheiro é um tanto doce, talvez isso seja o que faz seu gosto mais agradável. Gosto de vê-las andar, gesticular, são definitivamente criaturas graciosas, pena que essa nem tanto, apesar dos seios fartos.

-- Tenho uma pergunta a lhe fazer? – Respirando fundo tentando controlar o terror ela olha em meus olhos e se ajoelha pedindo clemência. -- Me diz menina, o que você tem para me oferecer? Ou seja, por que deveria deixá-la ir. -- Como se ela conseguisse responder algo depois de tudo que ela viu.

-- O que é você? – A expressão dela mudou e começou a ficar séria o que a deixava bela mesmo com a cara esmurrada.

-- Pergunta difícil. Vamos a um lugar mais aconchegante.

Decidi então deixá-la me ouvir...

Eu deveria ser ator, afinal após muitos anos da minha pseudo-vida, adquiri um gosto pelas platéias, eu sei que não devo me expor e por mais que a inquisição já não seje mais tão ameaçadora como outrora ainda há certos membros atrás de um sanguessuga desavisado, e também aqueles que querem nos controlar ficam no meu pé após um ou outro corpo que deixo sem o devido trato em um latão de lixo qualquer.

II

Às vezes me pergunto por que vocês valorizam tanto a vida, ter ar no peito, sentir o frio, o calor. Todos nós somos carne apodrecendo, e um dia acabaremos como comida dos vermes, uns logo, outros não. Mas a pesar de tudo, gosto de vocês, vocês me divertem com essa de amar ao próximo e ser bom para receber bondades. Quando na verdade são tão mesquinhos e hipócritas como qualquer ser maléfico, no entanto se reprimem tentando aparentar serem legais. Se vocês soubessem o que seus vizinhos realmente pensam.

Aqui do alto vocês representam o que são, vejo muito bem meros insetos correndo de um lado para o outro em busca de sangue? Não! Esse sou eu.

Ainda me lembro quando algo batia no meu peito, eu era um selvagem, livre, e gostava disso, passeava na relva, andava por entre os animais éramos irmãos diante da imensidão da natureza, vivíamos em uma tribo forte, porém pequena, meu avô o grande sábio curandeiro, minha mãe e irmãos. Caçávamos e vivíamos do que conseguíssemos no momento, na época da estiagem a noite era fria e a fome cortava o estômago, durante o dia o sol já queimava minha pele enquanto procurava alimento. Assim vivi minha infância, sem saber ao certo nem quem era meu progenitor, meu avô dizia que era um demônio. No auge da minha vida o primeiro demônio me encontrou, Aquele que meu avô dizia ser meu pai. Em meio a lutas a ferro e fogo fui capiturado e ele ao rever minha mãe lamentou o fato dela não ter mais o corpinho que ele agrediu anos atrás, minha mãe suplicou pela minha vida dizendo se tratar de sangue do seu sangue, e suas palavras foram. – E eu lá tenho filho encardido. -- Pouco antes de me jogar ao mar. Após uma grande luta desfaleci. Foi quando outro demônio me encontrou. Acordei agarrado em seu pulso sentindo o sabor doce e puro de seu sangue, com horror e raiva levantei de um pulo sentindo um estranho êxtase corri para o acampamento de meu “pai”, onde entrei as escondidas o pegando na cama ao lado de minha mãe morta.

Com as mãos embebidas de sangue fugi após me tornar órfão.

Nas sombras, Ele, o demônio salvador me esperava...

Tornei-me seu criado em outro canto da grande Austrália. Ainda vivo, porém com o sangue da morte correndo nas veias me fazendo ser um ultra-humano sedento e bizarro, nas conversas que tivemos pouco se ouvia minha voz, pois ainda me restava um medo, um receio do desconhecido e por mais que eu não o falasse, ele já sabia o que passava em minha mente. Durante um ano vivi a espera da morte, sem realmente saber o outro lado. Quando em um certo dia ele, em seu quarto onde era terminantemente proibida a entrada de qualquer ser, me gritou. Titubeei ao pisar naquele templo da morte onde a luz não penetrava, o breu era o dono do recinto, naquela hora que a porta se bateu senti a morte fincar suas presas.

Nenhuma dor em vida se compara à dor da morte. Os músculos se contraem os ossos se deslocam e voltam, o corpo queima e logo esfria, a história de vida passa em milésimos de segundo e aos poucos o breu toma formas e uma silhueta aparece onde só havia escuridão, não há luz, porém as formas e volumes aos poucos aparecem e o som do seu coração se vai e a fome surgi animalesca e voraz consumindo todo o ser, em uma taça de ferro consumi o primeiro drinque de vida após a morte.

O fato de viver da vida alheia me revoltava, confesso que das primeiras vezes imaginei estar devorando o demônio que me pôs no mundo. Mas acabamos nos acostumando com o prazer da caçada com a emoção de atrair e beijar as vítimas sem que elas percebam o furto as enchendo de prazer.

III

Estática ela ouviu cada palavra, cada fonema de meu relato sem demonstrar reação, no máximo acompanhava meu andar em volta de sua pessoa com os olhos a fim de sentir onde eu estava.

-- Louco né? Tentei quebrar o clima afinal há muito tempo não contava a ninguém minha história e já sentia que essa mulher de seios fartos fosse à coisa mais próxima de um amigo, o chato que ela não poderia continuar viva...

-- Então você é um vampiro? Depois de tanto tempo em silêncio ela faz a pergunta mais óbvia de todas, me deixando profundamente decepcionado, esperei alguns segundos antes de voltar a falar na esperança de ser uma pergunta retórica, daí lembrei em que situação a havia encontrado, sendo esmurrada por um chapado em beco sujo e tive uma repugnância como se tivesse em frente a pior das mulheres.

Não senti nada alem de nojo quando suguei até a última gota de vida dessa paria, ao terminar parei e admirei meu trabalho, talvez assim pálida ela tivesse seu encanto com seus seios fartos cheios de veias rochas transformando-na em uma obra de arte gótica imitando o mármore.

Desejei então mais uma vez ser humano, ignorante da mentira que é a sua tão querida vida, para sentir o calor de um abraço amigo ou ter uma noite de amor com uma jovem virgem, ter a imortalidade é ter a solidão, afinal para quem é um expectador a vida fica sem valor, sem nexo, o importante é esquecer os lamentos e sair para viver a não-vida.

Já ia me esquecendo mais um corpo para desovar, não na verdade dois afinal o outro no beco ficou as moscas. É melhor eu me apressar, pois ainda quero ver o bar.

Renan Wangler
Enviado por Renan Wangler em 13/07/2010
Reeditado em 13/07/2010
Código do texto: T2375777
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