O matador do ideal

Foi numa tarde de inverno que o vi. O céu estava nublado e chuviscava muito quando eu andava pelas ruas molhadas da cidade com meu guarda-chuva a me proteger daquela garoa.

Foi em meio a minha melancólica caminhada que o vi. Ele brilhava no céu. De inicio espantei-me, acreditava ser uma fagulha de luz do sol que aparece de repente e some no mesmo momento, mas estava enganado, pois percebi que aquilo se movimentava no ar.

Aquele ser parecia voar alegremente de um lado para o outro no horizonte. Seus movimentos eram graciosos e delicados. Era uma verdadeira apresentação artística ao ar livre.

Seu brilho e seus movimentos graciosos começaram a me incomodar. Minhas furnas começaram a se agitar freneticamente. Eu não conseguia ter paz. Não consegui me conter mais, e com intensa euforia saquei minha pistola.

Dei somente um disparo mirando o peito. O tiro foi certeiro, e igual a uma bola de fogo, vi-o cair do céu.

O barulho da sua queda foi estrondoso, e, como ele não caiu muito longe de mim, fui verificar meu feito.

Quando cheguei, lá estava ele caído ao chão. O tiro, como eu presumira, atingiu-o diretamente no peito, foi um golpe fulminante. Mas tal foi o meu espanto ao ver que reinava paz e tranqüilidade no semblante dele. Seu olhar parecia contemplar o infinito. Havia um enigmático sorriso estampado no seu rosto.

Aquilo me incomodava demais. Ele parecia ter alcançado a plenitude. Como alguém ousava alcançar os céus daquela maneira? Aquilo era imperdoável para mim. Não dava para aceitar aquela maldita manifestação divina.

Transtornado logo me afastei. Percebi que uma multidão começava a se reunir em volta do cadáver. O que aconteceu depois eu não sei. A única coisa que sei é que aquela imagem ficou em mim. Hoje estou muito transtornado, não consigo mais fazer nada. Seu sorriso enigmático está estampado no meu cérebro e tenho ódio, muita raiva, porque não consegui destruir o que é perfeito. Tentei matar o imenso, mas ele me matou. Aquele sorriso dói muito dentro de mim.

Agora minhas furnas se agitam novamente. Como naquele dia, hoje também está chuviscando. Não posso me conter mais, é impossível. Não consigo ver outra saída para mim. Só há um meio de acabar com isso tudo, de apagar essa imagem de mim.

Chegou o momento. De dentro do meu casaco saco minha pistola. Esse será o tiro certeiro. Aponto a arma para a minha própria cabeça. Percebo que as pessoas na rua me observam e ficam aflitas. Algumas tentam se aproximar e dizem para eu não fazer isso. Não adianta, já está tudo pronto. Adeus.

Daniel Tomaz Wachowicz
Enviado por Daniel Tomaz Wachowicz em 14/01/2011
Reeditado em 18/04/2015
Código do texto: T2727915
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