Carpe noctem

Foi numa dessas noites sem sono que o vi passar. Seus passos rígidos propositalmente despertaram-me de meu quase cochilo. No corredor só o relógio de cuco ecoava pelo casarão soturno. Caminhei a procura daqueles passos e distraída esbarrei na porta da sala que abriu-se silenciosamente. E no canto da sala uma luminária acesa desvendava algo. Aproximei para apurar tal mistério. Para meu espanto era um rapaz, meus batimentos cardíacos dispararam e o jovem sorriu do meu desespero.

- Carpe noctem senhorita!
- Quem é você? - Me chamo Inácio e vim vê-la.

- Eu não te conheço, e o que faz aqui na minha casa?
- Vim vê-la.

Encarei-o e ele fez o mesmo com um sorriso sutil. Sua face jovial servira de paisagem aos belos olhos azuis que lembravam um mar tempestuoso. O medo havia passado. Seu nome era Inácio, e foi assim que o conheci. Ao me perder por aqueles traços, ouvindo o som de sua voz, descrevendo o quão belo poderia ser uma noite silenciosa. Inácio sorriu e percebeu que eu não estava muito atenta naquele discurso existencialista e bucólico, então gentilmente me propôs um convite.

- Senhorita queres acompanhar-me a um passeio? Não hesitei em logo aceitar, tinha a leve impressão de que esse passeio seria muito agradável. Inácio segurava minha mão carinhosamente e caminhamos rumo ao jardim, debaixo daquele luar prateado. E admirando a aquarela da madrugada, entre orquídeas e lírios ele suspirou e disse:

- Senhorita, esperei tanto por esse momento!
- Mas Inácio, eu nem te conheço, nunca te vi por aqui...
 
Simpático e sorridente, tocou meu rosto e falou:

- Eu conheço a senhorita, vieste para este casarão no começo desse ano junto com seus pais e seu irmãozinho. Encantei-me por seus olhos que de tão serenos coloriu novamente este lugar.

- Você mora aqui por perto? Perguntei ansiosa para que a resposta fosse sim.
- Estou sempre por perto! Por que senhorita? - Podemos nos ver outras vezes, eu gostaria muito.
- Ah! Fico muito contente de saber que deseja me ver novamente. 
Inácio aproximou seu rosto ao meu tocando meus lábios, beijou-me carinhosamente e sorriu.
- Senhorita, amanhã nos veremos, agora a deixarei em seus aposentos para que descanses, amanhã fará um lindo dia. Não tinha como não se encantar por Inácio, não eram apena o seu traje nobre, ele realmente era um príncipe, meu príncipe. Na manhã seguinte contei meu encontro para minha tia-avó Lucília, ela ficou pálida e questionou.

- Cristina, diga-me uma coisa, como se chamava o rapaz?
- Seu nome era Inácio! Tia Lucília arregalou os olhos e me arrastou até a sala onde apanhou um álbum de fotografias da família que construiu o casarão no século XVII.
- Era esse o jovem? Perguntou apontando Inácio na foto.
- Sim, ele mesmo. Tia Lucília pôs a mão na boca com um certo espanto e olhava para mim com os olhos arregalados.

- Cristina, Inácio Von Lichstein faleceu em 1837 quando cavalgava pelo jardim e caiu batendo a cabeça nas pedras aos vinte anos de idade.

Sentei na poltrona estarrecida.

- Acredito que sua alma protege essa mansão, pois ele foi muito feliz aqui. Filha você irá ver Inácio novamente pois assim você desejou. Completou Tia Lucília. Todas as noites eu dormia ansiosa para vê-lo chegar, ouvindo dizer carpe noctem novamente e em seguida passearmos pelos bosques, somente eu, Inácio e toda a paisagem invisível.
 


''Relapsos de sonho e realidade''
Claíse Albuquerque
Enviado por Claíse Albuquerque em 22/10/2013
Reeditado em 15/07/2018
Código do texto: T4536857
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