Subornando Criança

Chupei bico até os cinco anos. E pior que não era um só, eram três, um amarrado no outro com uma cordinha que já estava até encardida, tinha trocado de cor. Um eu chupava, o outro eu apertava e o terceiro eu cheirava, um cheirinho azedo.

Depois de toda a insistência pra que eu abandonasse o hábito que viria a me prejudicar os dentes, minha mãe desistiu e minha tia resolveu me subornar. Aliás, coisa muito comum, que fazemos sempre com as crianças, coisa feia!

Enfim, prometeu me levar junto na viagem de férias, ela e o marido recém-casados. Minas Gerais, Petrópolis e no final Angra dos Reis, para eu conhecer o mar, tudo isso se eu jogasse fora meu bico. Topei na hora, mandei longe. Viva o suborno!

O passeio em Minas foi inesquecível, nadei na cachoeira, subi morro, comi todas aquelas comidas gostosas, perfeito. Lá em Petrópolis, depois de ir ao banheiro com a porta trancada – como uma boa mocinha deve fazer – percebi que não alcançava a cordinha da descarga e subi no vaso sanitário para puxar, toda independente.

Resultado: o vaso estava solto, caímos eu, vaso, quebrou-se tudo e três pontos no dedão do pé, fora a porta arrombada, claro, pois estava trancada. Nem comento a gozação que tive que aguentar o resto da viagem, se duvidar até hoje ainda riem de mim. Criança sofre!

Triste da vida, morrendo de vergonha, sentindo uma dor dos infernos, lá fui eu acabrunhada pra Angra, chateada por não poder entrar na água, na minha primeira vez na praia, poxa vida...ai que saudade dos meus três bicos...

Sentada lá, vendo todas as crianças pulando as ondinhas, olhava para o meu dedão enfaixado e pensava no bico. Que raiva...isso que dá querer mostrar que é grande.

De repente, olho para os tios, distraídos, nem me olhavam. Olho para o mar, me chamando, para o dedão...e lá vou eu! Quando eles viram, já era tarde, dedão latejando, esparadrapo flutuando, e eu lá, feliz por ter aproveitado meu suborno como deveria...

Ah, todo mundo sabe que água do mar cura tudo mesmo...