Amanda e as galinhas Pituca e Luluca

Amanda e as galinhas Pituca e Luluca

Olé! Amanda, três anos, em São Paulo, passar uns dias na casa dos avós. Dupla nacionalidade, mistura os dois idiomas, Espanhol e Português. Gosta de ser brasileira igual Mamãe. E espanhola tal qual Papa. No Brasil estranha a ausência de Papa. Despediu-se dele no aeroporto de Barajas, pensando que viesse também, e até chegasse antes dela e de Mamãe, porque Papa é esperto, empurra o carrinho da filha quase correndo, o que Amanda adora, ser beijada pelo vento.

Cercada por pessoas que a amam, a pequena corre de um lado pro outro, elétrica, explorando os espaços. Amanda é a neta caçula, a espanhola da família. Os primos brincam com ela:

_ Você não é brasileeeiiiiraaa...

_ Sou!

_ E por que fala avion?

_ Aviiiiããããããããoooooo!!!!!!! Corrige Amanda, com o enorme bico do til.

De noite a casa silencia, hora de dormir. Amanda pergunta:

_ Cadê Papa?

Vovó responde que ele ficou em Madrid, percebendo na menina a inquietação pela ausência do pai.

No dia seguinte Amanda esquece Papa. Repara nas galinhas de arame, Luluca e Pituca, uma laranja a outra verde. Toma-se de amores por Luluca, e abomina Pituca. Luluca é "buena" e "guapa". Pituca, "mala" e "fea". Não se trata de mala sem alça, podia até ser, trata-se de uma galinha má, muito malvada, uma bruxa horrorosa. Parece uma galinha, mas é um monstro.

Por outro lado, pra Amanda Pituca mostra-se mais importante que Luluca. Detesta a primeira, e gosta da outra. Nada na casa de vovó e vovô é mais vivo que Pituca, com sua ruindade. Se um copo quebra não é Amanda, nem pensar. Nem Maria, é a Pituca.

_ Pituca quebrou com su bico e sus patas, assim.

Amanda delata, batendo como pode os pés no chão, confirmando com a cara franzida o perigo que suspeita em Pituca.

Animais, até os de arame, são transparentes com as crianças. Pituca revela à Amanda o que sente e pensa. No bico o rabicho de reprovação, nos olhos dois rabos de despeito. Que inveja de Luluca. Não entende porque a espanholinha a detesta. Quanto mais Amanda desconfia de Pituca, mais a galinha implica com Amanda.

O medo de Amanda por Pituca cresce, não pode se aproximar, longas voltas para passar bem longe. E as intrigas continuam:

_ Vovó, Pituca pica.

Coloca os dedos da mão direita em forma de bico, e bate com eles no braço esquerdo, mostrando pra Vovó, como Pituca faz.

Vovó senta-a no colo e a nina, pensando, Amanda sente a falta do pai. Mas a menina não sossega. Mandona, Amanda ordena:

_ Joga Pituca “en la basura".

_ Pituca no lixo?

_ Sim. "Que asco". Você joga. Não toco nela, ela pica.

_ Está bem, jogo, falou a vovó, mas Luluca vai também.

_ Luluca não, é boa e bonita.

_ Chegaram juntas aqui em casa, se Pituca for pro lixo, Luluca a segue.

Amanda não gostou da proposta.

_ E de castigo? Pituca fica?

_ Depende. Responde Vovó. Qual castigo?

_ Com a cara pra parede?

_ Combinado, Pituca vai pro castigo.

O pai espanhol de Amanda, a ninou recém-nascida, com cantos e dança Flamencos. E quando ela faz arte, a coloca virada pra parede. Um ou dois minutos parecem séculos à menina.

Pituca de castigo na varanda, cara voltada para a parede, pede à Luluca, lhe avise dos passos de Amanda. Sabe que se puder, a menina lhe arranca umas boas penas. Embora não tenha penas, é feita de fios de arame, pode sentir a dor das penadas arrancadas. Aos punhados. Esquecida ali.

Ninguém se recorda de Pituca, a não ser Luluca, vaidosa por um lado, preocupada por outro. Se Amanda cismar com ela, agora que Pituca sai de cena?

As duas galinhas trocam informações. Como bons animais de arame se comunicam telepaticamente. Aprendem um pouco de Espanhol:

buena = boa

guapa = bonita

mala = má

basura = lixo

callerrero = quem aprecia andar pelas ruas

asco = nojo ou asco

tengo = tenho

della = dela

Aí acontece o milagre, Amanda amanhece perguntando por Pituca.

_ Cadê Pituca, Vovó? Indaga ao acordar.

Esquecida num canto, Pituca foi perdida. Como memórias que a gente precisa cutucar pra voltar. A casa inteira grita pela banida: Amanda, vovó, mamãe, vovô, Maria e Luluca.

_ Pituca Pituca Pituuuucaaaaa ???????!!!!!!!!

Pituca pensa, escuta e fala com seres de arame ou outros. Humanos adultos não a escutam ou compreendem. As crianças sim. A casa berra e se movimenta em romaria, até encontrar Pituca. Parece à Amanda, que o caminho percorrido atrás de Pituca é mais longo que a distância entre Madrid e São Paulo. Amanda viveu o medo de não reencontrar a galinha. Com a falta de Papa já se acostuma, fala com ele todo dia por fone ou skipe, e pode ver a cara guapa de su Papa callerrero.

Pituca é encontrada. Amanda, descontraída e risonha, solta um visível suspiro de alívio, o rubor colorindo as bochechas:

_ Uuuuufaaaa!

A galinha sai do castigo, Amanda a acalenta dançando Flamenco e cantando Olé, pela casa, passa pela cozinha e ganha um beijo de Maria. O que ela e Pituca conversam nesses momentos ninguém sabe. Quem quer pode ver. "Mala" perdoou os pecados de Amanda, e aceitou viajar com ela na volta pra casa, em Madrid. Luluca junto. Não é o que Vovó falou? Reunidas até na "basura".