Amanda e a Galinha Bruxa

Amanda e a galinha bruxa

Era uma vez...Eu, a Pituca, quando fui uma bruxa malvada. Não apenas com cara de galinha. Uma galinha bruxa. Cocoricocó. Não canto, não sou galo, mas gorgolejo todo tempo, cocoricocó. E cisco, reflexo de galinha.

Tudo começou quando, Olé! Amanda me encontrou, e comigo Luluca, minha irmã.

Amanda tem três anos. É brasileira igual à Mamãe. E espanhola tal qual Papa. Mistura os idiomas Português e Espanhol. Mora em Madrid, e vem passar férias em São Paulo, na casa dos seus avós.

Na casa de Vovó encontrou Luluca e Pituca, duas galinhas de arame, uma laranja, outra verde. Amanda tomou-se de amores por Luluca, e transformou Pituca em uma bruxa de verdade. Pituca sou eu, como você já sabe. Eu nem era mais uma galinha verde de arame, mas uma galinha bruxa de carne, osso e penas. Quer dizer, de verdade para Amanda.

Animal, tenho a transparência das crianças. Mostro o que sinto e penso.

Olhava pra Amanda do jeito que ela me olhava, com um rabicho no bico, e com dois rabos nos olhos. De despeito. Quanto mais Amanda desconfiava de mim, mais eu desconfiava de Amanda, e mais rabichos e rabos nos olhos e no bico me cresciam.

Fiquei má, muito ruim, malvada. Sentia meu enorme poder de assustar Amanda, que pelo que sei, era a única criatura neste mundo a me temer.

O medo de Amanda por mim aumentava, e como não podia se aproximar dava longas voltas para passar bem longe de minha pessoa. Confesso, me senti poderosa, e...bem, até gostei, sou meio humana, portanto, um bocado vaidosa. Gostei por uns tempos, pois logo começaram as intrigas:

_ Vovó, Pituca pica.

(Ela coloca os dedos da mão direita em forma de bico, e bate com eles no braço esquerdo, mostrando pra Vovó, como eu fazia).

Inventou que quebrei um copo. Vovó perguntou:

_ Como ela quebrou, Amanda?

_Com "su bico y sus patas". Responde a espertinha, batendo como podia os pés no chão, para mostrar a ameça que sou.

Vovó sentou-a no colo e a ninou, pensando que ela sentia falta do pai que deixou em Madrid. Mas Amanda não sossegou, e mandona, ordenou:

_ Vovó, joga Pituca "en la basura".

_ Jogar Pituca no lixo?

_ Sim. "tengo asco", joga você.

_ Está bem, falou Vovó, mas Luluca vai também.

_ A Luluca não, é boa e "guapa".

_ As duas chegaram juntas aqui em casa, se jogo Pituca no lixo, Luluca acompanha a irmã.

Amanda odiou. Queria que Vovó me jogasse no lixo, Luluca já era dela. Olhou pra Vovó, intrigante, enfrentadora, terrível. Vovó tremeu um pouquinho, mas não recuou.

_ E de castigo? Pituca fica?

_ Depende do castigo.

_ Com a cara pra parede?

_ Fica, concorda Vovó.

_ Você põe Pituca no castigo.

Pede Amanda, pois não podia tocar-me.

Fui pro castigo com a cara voltada pra parede. Pedi pra Luluca contar-me dos passos da terrível criança. Sabia que se pudesse, ela me arrancaria umas boas penas. Embora não tenha penas, sou feita de fios de arame, podia sentir a dor das penadas arrancadas. Aos punhados.

Cocoricó-cocoricó, eu a bruxa horrorosa, cacarejava como uma galinha apavorada. Sentia-me poderosaemedrosa, poderosaemedrosa, passando de um estado pro outro, como se fosse um acordeon, cocoricó, firinfonfon. Esquecida no castido por dias e dias. Aí aconteceu o milagre, Amanda sentiu saudades de mim.

_ Cadê Pituca? Perguntou Amanda um dia ao acordar. Quando não me encontrou, pôs a boca no mundo. Chorou. E gritou atrás de mim pela casa inteira:

_ Pituca Pituca Pituuuucaaaaa!?!?!!!!!!

Escuto, penso e falo com seres de arame, os cães e os gatos da casa. Compreendo os humanos adultos, mas eles não me entendem. As crianças sim, me compreendem. A menina gritou até me achar.

Amanda agora podia tocar-me, no lugar das penas, me arrancou do castigo, me abraçouabraçoueabraçou dançando e cantando Olé. Batendo os pés no chão.

Hoje moro em Madrid, no quarto de Amanda, com Luluca e outros seres de brinquedo. E as gatas Flora e Olímpia, que zanzeam pelo quarto todo tempo. Cocoricócocoricó. Olé.