MEU AMIGUINHO VIRA-LATAS

Pode parecer estranho, mas o meu primeiro amiguinho foi um cachorrinho vira-latas. Naquela época eu vivia nas ruas e da rua eu tirava o meu sustento. Às vezes a fome apertava, então eu me via tentado a cometer pequenos furtos, mas não o fazia. Embora ninguém tivesse me ensinado eu sabia que roubar não era uma boa idéia. Vi companheiros serem levados pelo juizado de menores por cometerem tal delito. Só me restava pedir e mendigar o meu pão de cada dia. E assim eu ia levando a minha pobre vida.

Mas um dia eu conheci um pequeno ser e que, por incrível que pareça mudou a história da minha vida.

Era um filhotinho vira-latas malhadinho nas cores branca e amarela. Eu o encontrei na porta de uma lanchonete. Era tão pequeno que cabia numa caixa de sapatos. Os meus companheiros de rua deram-lhe o nome de Fajuto. E o Fajuto foi crescendo no meio da molecada da rua, tornou-se um cachorro esperto e muito travesso. Era o meu companheiro de aventuras, travessuras, desventuras e de todas as horas. A onde quer que eu fosse ele me acompanhava. Dividia com ele o meu pão e o meu cobertor de céu.

Um dia, uma manhã chuvosa de domingo, eu estava muito doente e para me proteger da chuva eu me abriguei num coreto que ficava no meio de uma praça. Não conseguia me mover de tanto frio. Não passava ninguém que pudesse me socorrer, eu só tinha o Fajuto. Ele não arredou o pé de perto de mim. Ficou ali sentadinho. Olhando-me de um jeito que nenhum ser humano havia me olhado. Parecia querer dividir comigo um pouquinho da sua saúde. Eu não tinha forças para dizer:

- obrigado companheiro.

Eu só lembro que olhei para aquele animalzinho e não sei dizer se foi um sonho ou o deliro da febre que eu o ouvi falar:

- você não nasceu para ser cachorro de rua.

Foi a partir daquele momento que eu decidi dar um rumo na vida.

Na manha seguinte, ainda doente, sai pelas ruas a busca de alguém que pudesse me adotar. Mas as pessoas me repeliam, olhavam-me desconfiadas e tinham medo de mim. Ninguém quis ouvir a minha história.

Eu perguntava o porquê, eu era apenas uma criança!

Mas a vida abençoa o lutador, eu não desisti do meu propósito. Eu não queria mais ser tratado como um cachorro de ruas.

No final daquele dia, eu estava fraco e abatido. Deitei-me na escadaria de uma igreja. Fui acordado por uma irmã de caridade:

-acorde, vamos levá-lo para o nosso orfanato, você está muito doente e precisa de cuidados.

Confuso, deixei-me levar pelas mãos da freira. O Fajuto desconfiado nos acompanhava.

O orfanato ficava a uma quadra dali, era uma construção antiga, pintada de amarelo. Tinha um aspecto fantasmagórico, mas algo ali me encantou.

Paramos diante de um grande portão de ferro. A freira olhou para mim e disse:

-entre, vamos cuidar de você.

- entra Fajuto - falei

- não permitimos animais aqui dentro

-mas ele é meu amigo

-infelizmente ele não pode ficar

O Fajuto pareceu entender, eu tentei segurá-lo, mas ele escapou de mim. A freira segurava-me nos braços, eu gritava e esperneava chamando o Fajuto. Ele desceu a rua com o rabinho entre as pernas, de vez em quando olhava tristemente para traz. Os portões se fecharam, com os olhos cheios de lágrimas consegui ver o Fajuto dobrar a esquina. Foi à última vez que eu vi o meu amiguinho.

No início a vida no orfanato foi muito difícil, eu era um garoto de rua e não estava acostumado a receber ordem e tinha maus costumes: não sabia me comportar numa mesa, chamava palavrões e detestava tomar banho. Vivia de castigo por arrumar confusões com os outros internos. Mas aos poucos fui me adaptando e me sentindo gente. Tinha uma cama para dormir e três refeições durante o dia. Tomei gosto pelos estudos e pela carpintaria. Tornei-me um aluno exemplar. Aos dezoito anos fui encaminhado para trabalhar na produção de uma fábrica de móveis. Como eu era um ótimo operário fui promovido a supervisor e de supervisor a gerente.

Consegui me formar em administração de empresas. Hoje tenho um bom emprego, uma linda família e uma vida digna de um ser humano.

Não me desliguei do orfanato. Por gratidão, tornei-me instrutor voluntário de carpintaria. Amo os meus alunos como se fossem os meus filhos. Eu me vejo em cada um deles. Em cada olhar eu leio a frase: “Eu não nasci para ser um cachorro de rua”

Ainda me lembro do Fajuto, o meu amiguinho vira-latas que me fez sentir gente.

09/03/2010

jambo
Enviado por jambo em 10/03/2010
Reeditado em 10/03/2010
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