AI, QUE VONTADE QUE DÁ!!!

AI, QUE VONTADE QUE DÁ!!!

Era um menino pobre. Andava descalço pelas ruas; camisa rota; calça em frangalhos, cheia de remendos, mas limpa. Mas via-se nele uma dignidade e uma educação que não era vista em muito marmanjo adulto.

Talvez até comesse o que lhe fora dado, às vezes até de má fé. Uma coisa, porém, o impedia – havia duas bocas em casa – também famintas. O efeito cascata que esse alimento iria produzir o fazia guardar essa meia dúzia de pasteis velhos (de ontem), para levá-los mais tarde, após seu “expediente”. E esse mendigo mirim era fiel ao que se propusera fazer – sustentar sua mãe, para que seu irmãozinho recém nascido tivesse o leite necessário para sobreviver até que sua mãe tivesse forças para voltar ao seu posto de catadora de papéis.

Se permanecesse na rua durante o período de almoço e descanso dos homens e mulheres que tinham um trabalho regular e nobre, talvez tivesse mais sorte em conseguir alguma coisa mais substancial e com maior fartura que esses minguados pastéis secos.

O fato de ele ter somente sete anos de idade e ser mendigo, não queria dizer que não tivesse responsabilidades. Levava muito a sério o seu ofício. Afinal, era o único na família que poderia prover o sustento da mãe e do pequenino Pedrinho, seu irmão. Seu pai estava na cadeia, não porque fosse bandido. Caio até achava que ele era um homem bom. Seu pai estava atrás das grades, já fazia mais de mês, porque, depois de andar durante todo o dia por todos os cantos da cidade procurando sua sobrevivência e a da sua família, mas não achou quem lhe desse algum alimento e, muito menos achou algum trabalho, com cujo produto, pudesse comprar alimento para a mãe dele. A polícia prendeu-o, a pedido do dono do restaurante, por um fato que seu pai, na sua ingenuidade, achou questão de sobrevivência. Quando, desanimado e faminto, passou diante do restaurante na sua ida para casa, de mãos vazias, viu em cima do balcão uns frangos assados, que o dono do restaurante colocou ali para chamar a atenção do comprador. Entrou no meio dos demais usuários e achou um jeito de meter um daqueles frangos no velho saco de ráfia que sempre levava consigo, já que não tinha dinheiro para comprar nada. Foi esse o crime dele, da mulher e dos filhos: estômago roncando.

Por isso Caio não podia cometer o mesmo deslize: roubar. Na sua mente infantil construía seus medos: quem iria trazer alimento para casa, se ele também fosse preso? Mas, era hora de meio dia e teve que ir para casa com seu minguado quinhão. Deixaria todos os pastéis para sua mãe. Ele tinha a sorte de ter, de tarde na escola, a merenda escolar com que mataria sua fome. Mais algumas horas de fome não o iriam matar, pensava.

Já de noite, depois de constatar que sua mãe e seu irmãozinho estavam bem acomodados em sua esteira, deitou-se, também, no seu canto para descansar, sem antes rezar para o pai do céu a oração que sua mãe lhe ensinara... e acrescentou:

– Paizinho do céu faiz com que eu ganhe amanhã algum trocado pra comprá leite pro meu irmãozinho pra ele não morre de fome com o minguado leitinho da mãe. Por favô.

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 12/03/2010
Reeditado em 15/03/2010
Código do texto: T2134062
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