Dalvinha, a Rainha da Festa

Dedé era talvez o menino mais pobre da escola. Seu pai, com problemas de saúde, tinha dificuldade em sustentar a casa, sua mãe era lavadeira e costureira. Dedé era estigmatizado por isso. As crianças mais afortunadas gostavam de mangar de suas roupas que, apesar de limpas e bem cuidadas, costumavam ter remendos costurados à mão. Dedé era tímido e falava pouco, no entanto era um excelente aluno. Aprendia com muita facilidade, e só se soltava quando algum colega pedia ajuda nas lições. Até Dalvinha, a filha mimada do Prefeito de Alagoinha era vista com freqüência junto a Dedé, repassando as lições.

Estavam no quarto ano. Nesse ano o Prefeito, querendo firmar-se no município, inventou uma premiação na escola: quem arrecadasse mais prendas para a festa de São João que estava próxima, seria escolhida Rei ou Rainha da Festa. Não foi surpresa quando Dalvinha ganhou a competição, tendo arrecadado uma enorme quantidade de prendas. Naquele ano também teria uma Quadrilha de São João, e o Prefeito fazia questão que Dalvinha dançasse.

- Minha filha, Rainha da Festa, também vai ser a rainha da dança, vai brilhar porque tem talento para isso. – Dizia ele para as professoras. – Tem de ser uma festa inesquecível.

As professoras ficaram preocupadas. Dalvinha, menina mimada e cheia de vontades, depois de muita birra, concordou em dançar, mas impôs condições para o pai:

- Só danço se eu escolher meu par, e o senhor tem de dar a ele uma roupa do jeito que eu escolher, e quero minha festa de aniversário na praça.

“Até que não é muita coisa”, pensou o Prefeito. “Uma roupa e uma festa de aniversário. Aproveito a festa de aniversário para agradar o povo… monto uma tenda para as crianças dançarem… uma valsinha, talvez… depois um arrasta-pé para o todos”. Assim pensando o Prefeito concordou com a menina.

O dia para a escolha do par de Dalvinha seria dali a uma semana. Nesse meio tempo Dalvinha era adulada toda hora, recebia uma porção de cartinhas, ganhava doces, ganhava flores e agrados dos meninos, cada um tentando ser o escolhido, afinal era a filha do Prefeito!

O dia da escolha chegou. Alguns pais estavam na escola, e, como não podia deixar de ser, o Prefeito estava presente. Estavam todos ansiosos. Dalvinha seria a primeira a escolher, depois as crianças formariam pares entre si. Chegada a hora, depois de algum suspense, Dalvinha anunciou seu par:

- Dedé!

O pai olhou surpreso.

- Você tem certeza, filhinha? Tem outros meninos melhores, mais qualificados. Tem o filho do Vice-Prefeito, que tal ele? Ou o filho do dono da fábrica de balas, meu amigo… Vá, filha, escolha outro…

- Não, papai. O senhor prometeu! É Dedé e pronto. E amanhã vamos comprar uma roupa para ele. Tem de ser uma roupa de Lorde. Eu mesma vou escolher.

O Prefeito não teve saída. Com um belo e falso sorriso, concordou. As demais crianças rapidamente formaram casais, muitos meninos bronqueados com a escolha de Dalvinha.

No dia seguinte, Dalvinha, Dedé, o Prefeito e a Primeira Dama foram à cidade de Pesqueira comprar as roupas. Dedé vestia sua roupa mais inteira e apresentável. Fora consertada por sua mãe especialmente para a ocasião. Dalvinha escolheu para Dedé um vestuário completo, calças, camisa, sapatos, meias, e até um paletó, este depois de muita birra de Dalvinha.

- Pelo menos o menino ficará bem apresentável. Tá parecendo filho de fazendeiro. Com certeza não vai fazer feio na festa. – consolava-se o Prefeito.

Chegou o dia de São João, a festa estava boa. Muitas barracas e muitas brincadeiras, todo mundo estava conseguindo ganhar alguma prenda, graças à generosa arrecadação promovida pelo Prefeito para que sua filha fosse a Rainha da Festa. Na hora da Quadrilha, Dedé apareceu com uma de suas roupas mais velhas, toda remendada. Estava ao lado de Dalvinha, que vestia um belo traje caipira, feito especialmente para a ocasião. O pai dela indignou-se:

- Cadê sua roupa nova, Dedé? Por que não está vestido com ela?

- Calma, papai! – Atalhou Dalvinha – A roupa nova não era para usar hoje. Roupas de quadrilha o Dedé tem muitas, não precisava fazer, e são todas verdadeiras, não são essas fantasias dos outros meninos. A roupa nova é para o outro dia, a festa de aniversário. Ele vai ser meu par. Vamos dançar uma valsa, estamos até ensaiando! E não brigue comigo, senão não tem nem dança nem festa!

O Prefeito ficou furioso, mas não quis contrariar sua filha. Deixou que as coisas corressem do jeito que estava. Dalvinha dançou a Quadrilha, e depois ficou desfilando pela festa com a coroa de Rainha, Dedé sempre a seu lado, seu Rei.

No dia de seu aniversário, já no mês de julho, o Prefeito fez tudo como tinha planejado: era um sábado, haveria uma missa de manhã, especialmente encomendada para a ocasião, e a tarde a festa. Ele não tinha querido a festa das crianças à noite, pois sua filha iria fazer apenas dez anos, e não gostava de dormir tarde. À noite a festa continuaria para os adultos, tudo por conta do Prefeito (ou seria da Prefeitura? Até hoje não descobri isso).

Na hora da missa, o Prefeito e família foram os primeiros a chegar. Queriam cumprimentar todos os participantes, e Dalvinha iria receber os parabéns pelo aniversário. Muitos cumprimentos depois e quase na hora da missa, Dedé chegou todo elegante em sua roupa nova. Dalvinha pediu licença para os pais e retirou-se com Dedé.

- Vamos escolher um lugar para nós. – Disse Dalvinha, e foi para dentro da Igreja, mãos dadas com Dedé.

O Prefeito ficou possesso.

- Essa menina tá ficando muito geniosa! O que ela viu nesse moleque?

- Calma! Dalvinha pode ficar triste se você brigar com ela, tadinha. Hoje é o aniversário dela, de tarde tem a festa, e ela precisa ficar muito feliz, nossa princesinha.

O Prefeito acalmou-se, e foram assistir a missa. À tarde, Dalvinha estava com um belo vestido azul, toda aprontadinha. Parecia mesmo uma princesa. A seu lado, todo arrumadinho e cheiroso (por conta das loções que Dalvinha furtou do pai), Dedé estava parecendo filho de fazendeiro. A festa foi um sucesso. Dalvinha e Dedé dançaram a valsa como gente grande. Depois dançaram as músicas populares. O povo estava se divertindo, vendo a felicidade daquela geniosa menina e seu belo par, que nem parecia o menino pobre Dedé. O Prefeito estava satisfeito vendo que o povo aprovava as travessuras da filha, e também porque o menino em nenhum momento envergonhara sua filha. Depois das danças, a festa continuou na rua. Muitas barracas de guloseimas e brincadeiras, parecida com uma festa de São João. O povo se divertia.

- Cadê Dalvinha? – Perguntou o Prefeito em dado momento à esposa, não vendo a filha em lugar nenhum.

- Não sei… agorinha mesmo ela estava andando no meio do povo…

Minutos depois, Dalvinha apareceu. Já não trajava seu lindo vestido azul, estava com um vestidinho simples, feito à mão num tecido barato. Dedé também tinha trocado de roupa, estava com sua melhor roupa (a menos remendada), aquela que tinha vestido quando fora à Pesqueira com eles.

- Que é isso, Dalvinha! Que roupa é essa? Como você tem coragem de vestir uma coisa assim? E seu amigo, porque não continuou vestido decentemente? Estão parecendo dois pobretões!

- Não se zangue, papai, NÃO-SE-ZANGUE! Eu dei meu vestido para a irmã de Dedé. Ela vai fazer a primeira comunhão e precisava de uma roupa adequada. E eu gosto deste aqui. Ela me deu. E estamos vestidos assim, como pessoas decentes, porque não quero que Dedé ou o povo fique com vergonha de mim, com minhas roupas espalhafatosas.

Passaram a tarde e parte da noite se divertindo, caminhando entre o povo. Dalvinha fazia questão de conversar com todo mundo, e mostrar-se de mãos dadas com Dedé.

Depois daquele dia, Dalvinha, a filha cheia de vontades e mimada do prefeito tornou-se a queridinha do povo. E continuou assim, mesmo quando tornou-se Primeira Dama, vinte anos depois. Seu marido? Claro que era o Prefeito Dedé, o Prefeito do Povo.

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