SIMÃO E A ONÇA

SIMÃO E A ONÇA I (30 NOV 11)

(Folclore brasileiro, recontado por William Lagos)

Andavam os macacos pela mata,

de galho em galho a pular, alegremente,

catando frutas e comendo insetos,

o Simão agindo até meio indecente,

jogando porcaria em desafetos,

que o sem-vergonha de seu rabo cata!...

A maioria, porém, mais respeitosa,

queria apenas comer, depois brincar

e balançar-se pela cauda ou por cipós,

depois dormir e então, se alimentar,

na alegre revoada, em rouca voz,

a tribo inteira em vida descuidosa...

Um dia, num recôncavo da mata,

conforme narra bem antiga trova,

viram a onça presa num buraco:

jogaram galhos, para fazer que mova,

estava viva, mas a pele, feito um saco,

caía-lhe sobre os ossos nessa data...

SIMÃO E A ONÇA II

Foram jogando frutas e caroços

e a pobre onça acabou por se mexer

e com voz lastimosa, se queixou:

“Por que torturam quem já está a morrer?

Já faz um mês que o barranco desabou

e me atirou no fundo destes poços!...”

“Por sorte, aqui no chão vertia água,

mas só achei raízes para comer,

as minhas forças todas esgotei,

é muito fundo, como podem ver,

mais de mil vezes para escapar pulei,

caí de volta, numa lástima de mágoa!...”

“Vocês não podem, por favor, vir me ajudar?

Darem um jeito de me tirar daqui?

Prometo serei sempre vossa amiga...

Se já cacei macacos, me esqueci

e nesses galhos finos, caso persiga,

nem um só de vocês vou apanhar!...”

SIMÃO E A ONÇA III

Tanto falou, que despertou sua pena,

porque macacos não são bichos maus

e começaram entre si a cochichar...

Quando Simão lançou-lhe dois calhaus,

foram os outros depressa o castigar,

já comovidos por tão triste cena...

Falou então dos macacos o mais velho:

“Não é nossa inimiga, realmente;

se, no passado, algum de nós comeu,

por descuido foi mais desse imprudente...

A onça come carne e o que se deu

foi o resultado de desprezar o meu conselho.”

“Sempre estaremos nas árvores seguros;

já vi essa onça caçando várias cobras:

essas sim, são as nossas inimigas!

E os índios espantou com suas manobras,

que nos flechavam em caçadas mais antigas:

já nos livrou de perigos bem mais duros...”

SIMÃO E A ONÇA IV

E com ele concordou a macacada.

Então o velho dirigiu-se à onça:

“Você jura que não nos irá caçar?

Com cipós vamos armar a geringonça

que servirá para sua vida salvar,

porém me jure que não nos fará nada!”

E a onça prometeu, naturalmente.

Juraria até ser a mulher do Papa!

Então os macacos foram ao cipoal,

cada um tinha na cabeça um mapa

e conhecia muito bem cada local

que na mata existia, certamente...

E foi assim que teceram a geringonça,

uma espécie de rede de cipó,

com uma corda de liana em cada canto.

Quando baixaram, o que faltava só

era que o bicho não pesasse tanto,

para poderem puxar da cova a onça!...

SIMÃO E A ONÇA V

Soltaram sua redinha devagar,

até chegar no fundo do perau.

Mas a onça foi falando, desconfiada:

“Vocês prometem não me matar a pau,

se eu ficar nessas gavinhas enlaçada?

Estou tão fraca, não vou mesmo escapar...”

O macaco mais velho prometeu,

Porém foi contra o Macaco Simão:

“Veja, vovô, esse negócio não é certo!

Assim que a onça nos tiver à mão,

irá caçar o que estiver mais perto!...”

Mas o macaco velho se ofendeu:

“Ora, Simão, deixe logo de besteira!

Ninguém é tolo para chegar perto,

vamos puxar a onça aqui de cima...

No chão da mata vai achar tudo deserto,

subir nas árvores hoje o bicho não se anima,

fraca demais para alguma bandalheira...”

SIMÃO E A ONÇA VI

Então os macacos afrouxaram a geringonça

lá no fundo da cova, com cuidado

e o animal, finalmente, se arrastou,

até ficar na rede pendurado;

com o rabo e as quatro patas se agarrou:

subiu a rede e, com ela, veio a onça!...

Mas ela estava ainda muito fraca

e nas lianas meio que se emaranhou;

quando os macacos a soltaram, já no chão,

não conseguia se soltar. E suplicou:

“Alguém me ajude!...” Mas respondeu Simão:

“Aqui ninguém é bobo, sua velhaca!”

Mas tanto a onça, a suplicar, chorou,

que afinal o patriarca decidiu:

“Vamos todos puxar de um lado só!”

E realmente, a geringonça sacudiu,

mas a onça se enroscara no cipó

e por mais que a balançassem, não soltou...

SIMÃO E A ONÇA VII

Então, determinou o macaco velho:

“Vá lá, Simão, e desenrosque a onça!”

“Mas o quê, Vovô, tá querendo me matar?”

“Você só tem de afrouxar a geringonça.”

“Mas por que eu é que a tenho de soltar?”

“Porque, senão, vai levar sova de relho!...”

Então Simão, bastante a contragosto,

desceu árvore abaixo e desatou

as patas do animal desses cipós.

Porém tão logo a onça se soltou

e com Simão se encontrou a sós,

o abocanhou, para um geral desgosto...

“Você prometeu, sua onça matreira!”

“Pois é, e até jurei, mas estou fraca;

você precisa então me dar licença

para comê-lo... Não é por mal, é que me ataca

uma fome tremenda e muito densa...

Caçar não posso e sua carne é saborosa...”

SIMÃO E A ONÇA VIII

Porém, lá do arvoredo, a macacada

começou a gritar e a lhe jogar

caroços, galhos, pedras e folhagem

e Simão começou a protestar:

“Vovô, eu lhe falei da traquinagem

dessa onça e o senhor não escutou nada!”

E assim, gritou do alto o patriarca:

“Dona Onça, a senhora nos jurou!

E pela lei da mata, há de cumprir!...”

“Não é por mal,” a onça reclamou.

“É a fome, Dom Macaco...” “É por mentir,

que traz sempre nas costas essa marca!”

“Eu sei que vocês me salvaram do buraco,

mas se não como, igual eu perco a vida

e sua ajuda não me irá nada adiantar...

É a fome que me leva de vencida...”

“Pois somos muitos e a iremos apedrejar,

se fizer mal ao nosso irmão macaco!...”

SIMÃO E A ONÇA IX

Estava a onça arrependida, mas firmou

com as patas dianteiras, o Simão.

“Mas o que posso fazer, Sr. Dom Macaco?

É muito triste a minha situação:

passei um mês no fundo do buraco,

a fome é forte e quase me matou!...

E respondeu então o macaco velho:

“Deves fazer o que a lei da mata diz:

terás de apresentar a tua defesa

no tribunal que preside o bom juiz,

Dom Jabuti, tão cheio de esperteza,

que saberá nos dar um bom conselho!...”

Assim a onça não teve alternativa,

mas o pobre Simão foi segurando

e caminhou só com as patas traseiras,

atrapalhada, um pouco tropicando,

até o tribunal, chegando às beiras

do ribeirão, teimosa e altiva...

SIMÃO E A ONÇA X

Em lá chegando, sempre acompanhada,

na segurança das copas do arvoredo,

pela tribo dos macacos, sem tardança,

até escutar de uma arara o arremedo,

anunciando o Jabuti, sem qualquer medo,

atendendo ao clamor da macacada...

Subiu depressa à pedra do conselho,

que ficava no alto de um barranco

e então abriu a sessão do tribunal.

A onça se assentou em outro banco,

preso o macaco com força bem real,

sem conseguir mexer um só artelho!...

Então falou o jabuti, em sua imponência:

“Que se explique o primeiro demandante!”

E Simão lhe contou toda a sua história,

Desde o começo até o presente instante.

“Se já acabou sua parte, sem vanglória,

bata palmas!... “ comandou, com impaciência.

SIMÃO E A ONÇA XI

Sem entender, Simão obedeceu

e bateu palmas, preso só pela cintura...

“Agora fale o segundo querelante!”

disse o juiz, com inflexão segura.

“Exponha sua demanda neste instante

e conte tudo o que hoje lhe ocorreu!...”

E a onça explicou-se, prontamente,

que havia ficado um mês aprisionada

e só saíra com a ajuda dos macacos;

todo esse tempo, não comera nada,

não havia alimento nos buracos,

de comida precisava, incontinenti!...

“Pois muito bem, se já expôs seu caso,

bata palmas!” ordenou-lhe o jabuti.

E a onça, então, sem desconfiar de nada,

foi bater palmas... E Simão, eu logo vi!

Das garras se escapou, em disparada

e numa árvore trepou, sem mais atraso!...

SIMÃO E A ONÇA XII

E foi depressa se unir à macacada,

que já o esperava, de braços abertos;

e o jabuti saltou, mais que depressa,

pela barranca, com destinos certos,

ficando a onça quebradora de promessa

de barriga vazia e ainda esfomeada!

E nunca mais, decidiram os macacos,

por mais que fosse sua voz bem lastimosa,

construiriam qualquer outra geringonça,

para ajudar a essa fera perniciosa

e se tornaram inimigos dessa onça,

que nunca mais tirariam de buracos!

No fim das contas, o riacho estava perto

e a onça, ainda faminta, se arrastou,

pretendendo caçar o jabuti!...

Mas foi com peixes que se alimentou,

por isso a história terminou-se aqui:

feroz é a onça, mas o macaco é esperto!

Entrou pela porta e saiu pela cozinha,

quem quiser outra, que peça à sua vizinha!

William Lagos
Enviado por William Lagos em 01/03/2012
Código do texto: T3528951
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