À toa perdida em coisas à-toa

Ufa! Que noite!

Em noites de chuva dormíamos cedo, sempre antes de me deitar ajoelhada ao pé da cama com as mãos unidas e conversava com Deus, enquanto isso, minha mãe pegava um espiral verde escuro e colocava para queimar, ela dizia que a fumaça espantaria os mosquitos. A coisa tinha uma base de metal prateada para encaixar e ficar equilibrado soltando uma fumaça fina, bem branca e comprida. Distraída e já deitada em minha caminha acompanhava os desenhos que iam se formando com a fumaça até se desfazerem nas telhas. Aff! Que cheiro horrível! Acho que era feito de esterco de boi seco.

Minha casa era pequena coberta com telhas vã feita de barro, dessas telhas aparentes que ajudam a ventilar a casa, meu quarto não tinha porta, mamãe me dava um beijinho, fechava as cortinas e dizia “boa noite querida” eu respondia “boa noite mamãe”. Só que a noite não era tão boa assim, havia goteiras pela casa toda e minha mãe coitada tinha que colocar panelas espalhadas para que não inundasse tudo. Uma pequena goteira caia justamente em minha cabeça não me deixando dormir, agitada eu virava de um lado para o outro e não adiantava nada, aí resolvi virar de ponta cabeça e assim fiquei perdida em meus pensamentos vendo os bichinhos no telhado. A telha vã era cheia de vãos. Era divertido ver os bichos se esconderem nos vãos das telhas.

À noite, a meia luz conseguia ver as aranhas tecendo tranquilas suas teias nos vãos das telhas para garantirem seu jantar. Os mosquitos que ficavam agarrados nas teias eram a comida preferida delas e os que pousavam nas paredes viravam comidas das lagartixas que os saboreavam sem parar. Por causa da chuva forte e dos mosquitos que zumbiam no meu ouvido não conseguia dormir. Ficava chateada, então pensava que era bem feito para aqueles mosquitos chatos. O “jacarezinho” da parede ficava bem alerta comendo todos, até a aranha se dava mal, distraída enquanto jantava o pernilongo acabava sendo devorada pela lagartixa.

Enquanto admirava a luta pela sobrevivência dos bichinhos nos vãos das telhas, a lagartixa despencou do telhado em meio às goteiras e caiu bem em cima de mim, foi um Deus nos acuda, gritei, acordei todos da casa e corre pra lá e corre pra cá, achamos a “bichinha”. Cutuquei a lagartixa até ela soltar o rabo que começou a pular e contorcer-se feito doido, minha mãe sorrindo disse que o rabo estava xingando ela, logo em seguida se arrependeu e disse que era brincadeira, contou que a lagartixa soltava o rabo só para se defender dos outros bichos que queriam comê-la, depois crescia um novo rabo. Muito esperta a lagartixa não?

Depois de toda confusão fomos todos dormir novamente, mamãe me deu um beijinho e disse boa noite outra vez. Deitei-me e comecei a observar um pequeno bichinho marrom cheio de perninhas minúsculas que subia lentamente pela parede, encostei um palito nele e ele se enrolou como um espiral, acho que era uma centopeia, ele ou ela se chamava Gongolo e a única coisa que sabia fazer era se enrolar... Acho que ele não tomava banho porque era muito fedorento. Será que ter cheiro ruim é coisa de espiral? E aí, entre um pensamento e outro, me lembrei de uma história que meu irmão mais velho contou, ele me disse que o gongolo gostava de entrar no ouvido das pessoas quando elas estavam dormindo, senti um frio na barriga e fui correndo dormir juntinho com meus pais, que medo! Deitei no meio deles e cobri a cabeça conseguindo finalmente dormir.

Já estava amanhecendo quando acordamos apavorados de novo com o grito de minha outra irmã do meio, fomos todos correndo assustados até seu quarto, ela nos contou que sentiu uma coisa geladinha em sua saboneteira e passou a mão, percebendo que era uma perereca deu aquele grito apavorante. Com o susto pulou da cama e jogou a perereca para bem longe. Minha irmã era muito magra e tinha buraquinhos ao pé do pescoço, ela dizia que o nome daquelas entradas eram saboneteiras e que era chique ter saboneteira. Foi logo ali que a perereca resolveu dormir, fiquei indignada e procurei em todo canto até achar a danada que pulou em cima de mim, com o susto sai em disparada para o quintal aos berros, a perereca pulou na poça de água e sumiu. O sol já nascia e ainda chovia bastante. A perereca era pequena, cabeçuda, gelada e verde. Não combinava com nada chique, credo! Ufa! Que noite!

Sandra Ferrari Radich
Enviado por Sandra Ferrari Radich em 20/10/2012
Reeditado em 15/01/2013
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