A menina e sua plantação de minhocas.

De fato, ela era uma menina diferente e desde cedo começou uma tarefa também diferente. Assim que começou a andar, descobriu o brilho dos pássaros e o poder do raio de luar.

Certo dia, revolvendo a terra fofa do jardim, viu uns fios rebolantes que se emaranhavam minhocantemente. Achou lindo e engraçado aquele novelo vivo agitado. E dai em diante, não parou mais de encaramiolar. Confundia os instantes, dias com noites, o atrás com adiante. E foi-se embora a sonhar.

Em casa, junto a um vaso de crisântemos, pôs alguns desses visi-

tantes rebolantes e passou a inventar outras modas: castelos com cas-quinhas crocantes, marshmallows falantes, casas de frutos e quintais de mar.

Ela, também, ficava de olhos inchados de tanto chorar com as histórias tristes, que lia, e sentia a dor como se fosse sua. E os cenários? - Acreditava existirem, de fato, e ali deixava-se estar, como uma das personagens.

Nesta onda delirante a sua mãe punha-se a rezar.

- Laurinha, pára de sonhar. - Vá estudar. - Vem me ajudar. - Joga

isso fora.

Nada adiantava. Tudo se repetia, em detalhes e espantos. E o pai,

então, acudia:

- Isto vai mudar, é só Laurinha ao psiquiatra consultar. - Deixa estar.

Isso é só sismência de criança que quer brincar.

Tudo continuava igual, até Laurinha crescer e um príncipe da Vila conhecer e aí sim principiou a delirar e cismar. Adoeceu de paixão, ou de amor. - Não sei.

Só sei que mais tarde, entrou para a faculdade e já formada, essa passageira paixão foi esquecida. Aí sim, ela virou ilusionista de verdade.

De bloco de notas e caneta em punho, saia anotando tudo que via pela cidade.

Laurinha conversava com as borboletas, pedia desculpas às lagartas e formigas à quem sempre deixava nacos de sorvetes nas pazinhas de ma-deira. Ouvia atentamente o som das buzinas dos carros, que lhe confessavam não suportar tanto barulho, broncas, e confusão no trânsito.

Ainda, assim, anotava as notas flagrantes das luzes da tarde, que lentamente trocavam suas cores e vestes de trabalho matinal pelas de gala e glamour noturno.

Enfim, ela pintava e bordava no papel e pano. Criava histórias. Ria com algo inusitado. Dividia alegrias. Criava esperanças onde não havia. Nada a confundia se o tema era mudança. O que era ruim não piorava, só melhorava, bastava um empurrão, do destino ou de sua própria mão.

Ela era tão sensível, que conseguia entender as outras pessoas. Ao que alguns achavam um exagero: - "Já que o que importava era se dar bem na vida." Então, qual seria a paga de Laurinha?

Porém, poucos sabiam, que sua felicidade consistia em ouvir as vo-

zes das almas que lhe explicavam a suavidade do afeto, o fim da guerra,

a tregua do ciúme, o melíndre de quem é sozinho e o desapego de quem desapegado do mal é.

Mas, de tudo o que mais gostava era mirar fundo a alma infantil e desvelar a ingênua felicidade, de quem em tudo acredita. E ainda pede desculpas, por algum erro seu, ou de alguém. E por isso, ela deve ser respeitada.

Agora, suas minhocas tinham nomes, identidades próprias, persona-lidades contrárias. E eram suas amigas de fato. Todos moradores, deste

pequenino globo terrestre. Por isso, eram amadas, respeitadas e rein-ventadas por ela.

anna celia motta
Enviado por anna celia motta em 27/05/2013
Reeditado em 26/07/2015
Código do texto: T4311813
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