As Aventuras do Estrelinho Azul
Aventura de hoje: “A formiguinha e o floco de neve

Um dia, o Estrelinho Azul estava brincando na sala da casa dele, lá na cidade Constelação, que fica lá em cima, lá no Céu, quando sentiu uma vontade muito grande de ir visitar novamente a Terra, que fica lá embaixo.

Mas aí, o Estrelinho Azul lembrou que para sair de casa e ir andar pela Terra, lá embaixo, ele teria que pedir permissão da sua mamãe, a Senhora Estrela Dalva. Então, ele se aproximou da mamãe querida e, cheio de sorrisos e pontas, falou bem baixinho, quase sussurrando:

-Mãe! Posso ir brincar na Terra, lá embaixo? Gosto tanto de lá!

-Estrelinho, você sabe que não tem como uma Estrela ir para a Terra e depois voltar para o Céu... Então, meu filho! Deixe de bobagem e vá brincar de ir para a Terra lá no parquinho, vá! E não esqueça de que na hora do almoço eu quero você de banho tomado e bem sentadinho à mesa. Ouviu, menino sapeca? Agora, vá brincar e deixe-me trabalhar, vá!

O Estrelinho Azul foi até ao quarto dele, pegou a mochila, calçou os tênis, colocou o boné na ponta central, deu “tchau!” para a mãe e saiu de casa correndo e saltitando para o parquinho enquanto pensava... Pensamentos travessos. “Bem, a mamãe disse que eu posso brincar no parquinho, não disse? E disse também que eu posso brincar de ir para a Terra, não disse? Ela também não proibiu-me de ir para a Terra, proibiu? Não! Então...”

Assim que o Estrelinho Azul chegou ao parquinho, seu Tio, o poderoso Sol, tinha acabado de acordar e estava saindo por detrás do planeta Saturno e iluminava todo o parquinho. O poderoso Sol ainda estava se espreguiçando quando o Estrelinho Azul o chamou:

-Tio Sol...!!! Êêêêiii Tio Sol...!!! Estais me ouvindo, Tio Sol...??? Bom Dia, Tio!!!

O poderoso Sol acabou de se espreguiçar, bocejou longamente, sorriu para o sobrinho e respondeu:

-Bom Dia, Estrelinho! Já estais de pé a esta hora? Amanheceu esperto, hem, Estrelinho?

-Pois é, Tio! Acordei cedo porque estou pensando em ir brincar na Terra lá embaixo. Acho que vou encontrar novas aventuras por lá...

O poderoso Sol sorriu novamente e pensando em se despedir do Estrelinho assentiu meio distraído:

-Boas aventuras então, Estrelinho! Tchau!

-Peraê, Tio! Peraê....!!! Não vá embora agora, não! Tenho um favor para pedir para você, Tio.

-Diga, Estrelinho! Mas diga logo, tenho muito trabalho a fazer... Ouviu?

-Claro, Tio! É um favor pequeno, coisinha pouca, quase nada... Eu só preciso que você empreste-me um Fio de Luz para eu poder descer até a Terra... Pode ser, Tio?

O poderoso Sol estranhou o pedido do sobrinho, mas, como criança era criança e viviam dizendo criancices... Tirou um Fio de Luz do bolsinho do paletó e o entregou para o sobrinho. Se despediu e foi trabalhar.

Todo feliz, o Estrelinho Azul amarrou uma ponta do Fio de Luz em um Raio de Sol, subiu no muro de flores, olhou para a Terra lá embaixo e depois de segurar firmemente no Fio de Luz, escorregou pelo Raio de Sol com um sorriso de ponta a ponta até a Terra, feliz da vida com a expectativa de viver grandes aventuras... Claro, depois de conversar e matar a saudade do amigo Pardal Zinho.

Após uma rápida e turbulenta descida por causa das rajadas violentas que a sua Tia Tempestade fazia - de certo, por estar furiosa naquele dia -, o Estrelinho Azul estranhou o lugar em que tinha descido.

Pensou: “Uéééeee!!!!! Cadê o mar??? Cadê a praia??? E os coqueiros??? E os pés-de-castanholas, onde estão??? Oxente!!! Cadê o Pardal Zinho???

E em voz alta - -Agora, sim!!!! Complicou tudo...! Que lugar é esse? E por que é que está tudo branco? Cheio de neve! E fazendo um frio de tremer as pontas...

O Estrelinho Azul ainda estava se indagando e estranhando o lugar totalmente diferente do mar azul e areias brilhantes ornamentadas de coqueirais e pés-de-castanholas em que estivera da última vez que visitara a Terra, quando ouviu, como da outra vez, um lamento baixinho, quase débil...

-Socorro!!! Ai de mim...!!!! Minha perninha está presa debaixo deste floco de neve... Ai de mim...!!!

Sem pensar duas vezes, o Estrelinho Azul olhou em volta tentando localizar a origem do pedido de socorro, porém, tudo o que viu foi um manto de neve cobrindo o chão, a relva, as raízes das árvores, os galhos e as folhas. O ar estava enregelado, e de sua boca saía chumaços de ar quente. Tudo em volta estava mimetizado à cor branca, não dava para distinguir uma coisa da outra. Só percebia-se as formas das pedras, dos arbustos e dos cercados que circundavam o lugar.

Entretanto, o débil pedido de socorro persistia ecoando no ar gelado.

-Ai de mim...!!! Quem pode ajudar-me...!!! Socorro!!! Ajudem-me a libertar a minha perninha que está presa debaixo deste floco de neve...

Guiado pelo som do lamentoso pedido de socorro, o Estrelinho Azul, com dificuldade, caminhou chafurdando na neve e seguiu em direção à origem do som daquela voz fraquinha, fraquinha...

O Estrelinho Azul quase desmaiou de susto quando, por pouco, não pisou em cima de uma pequena formiguinha que se esforçava, debalde, para libertar a perninha que estava presa debaixo de um enorme floco de neve.

-Oi, amiguinha!!! Vejo que você está precisando de ajuda, não é mesmo??? Não se preocupe, vou tirar e floco de neve de cima da sua perninha agorinha mesmo, está bem??? – falou o Estrelinho Azul para a formiguinha tentando tranquilizá-la.

Porém, quando o Estrelinho Azul tentou retirar o flocão de neve, as suas pontas de estrela eram muito rombudas, e, em vez retirar o grande floco de neve, ao contrário, o empurrou mais ainda para cima da formiguinha fazendo-a soltar gritinhos de dores.

-Eeeeeiiiiii!!!! Você é maluco ou quê??? Veio ajudar-me ou veio piorar mais ainda a minha situação??? Quem é você??? Como é o seu nome??? Sempre foi desastrado assim, foi???

Sentindo todas as pontas arrepiarem-se de tanta vergonha pela maneira inopinada de prestar ajuda à pequena forminha, e, completamente aflito por ser tão desastrado, o Estrelinho Azul pediu mil desculpas e tentou acalmar o pequenino ser.

-Calma, amiguinha!!! É que na ânsia de ajudar, esqueci-me que as minha pontas são muito rombudas para pegar o floco de neve... Desculpe-me, por favor!!! – e diante do cenho franzido e da sobrancelha esquerda levantada... Indicativo de irritação da formiguinha. O menino do Céu apressou-se a complementar – a propósito, amiguinha, o meu nome é Estrelinho Azul, acabei de chegar do Céu, e não sou desastrado não, apenas, um pouco descuidado, viu?

Percebendo que a formiguinha estava mais calma, o Estrelinho Azul encheu de perguntas a pequena desvalida que lutava em vão para livrar a perninha do flocão de neve.

-E você, amiguinha? Como é o seu nome? Por que ninguém lhe ajudou até agora? Que lugar tão diferente é esse? E por que tem tanta neve?

A formiguinha levantou mais ainda a sobrancelha esquerda, indicando que sua irritação estava chegando ao limite com aquele estranho ser azul anil todo cheio de pontas e que, ainda por cima, parecia que era curioso além da conta. Mas, enfim, resolveu responder as várias perguntas do bisbilhoteiríssimo ser azul anil.

-Escuta aqui, ô garoto! Você é um garoto, não é? Só pode ser... Pelo tom da sua voz... Voz de menino!

O Estrelinho Azul sorriu divertido com a impertinência da pequenina formiga e respondeu assim... Como quem não quer nada... Bem baixinho, quase sussurrando.

-Sou criança ainda, sim! Tenho apenas seis... – o Estrelinho foi interrompido pela formiguinha.

-Eu sabia...!!! É uma criança... Tem apenas seis dias de vida... Eu sabia! Também, com essa voz fininha... Só poderia ser criança mesmo!

O Estrelinho Azul ainda pensou em corrigir a nova amiguinha, informando-a que, na verdade, ele tinha seis milhões de anos... Mas, achou melhor não dizer nada. Se dissesse, ia dar um nó nas ideias da formiguinha... Afinal, uma formiga vive em média, entre seis e dez semanas, apenas... Coitadas!

-E então, amiguinha? Você ainda não respondeu as minhas perguntas... – o Estrelinho Azul instigou a formiguinha a responde-lo.

-Está bem garoto... O meu nome é Miga... For Miga! E esse lugar aqui onde nós estamos é a Zona Rural da cidade de São Joaquim, no Estado de Santa Catarina, Brasil, e tudo isso branco aí que você está vendo chama-se neve... – fazendo cara de espanto, a For Miga, intrigada, perguntou para o Estrelinho – Peraê, garoto! Você não sabe o que é neve? De onde você veio mesmo??? Do Céu? Onde fica isso?

O Estrelinho Azul achou melhor disfarçar e não dizer, de imediato, para a nova amiga, a Senhora For Miga, onde ficava o Céu... A formiguinha não ia entender... Então, o Estrelinho insistiu na pergunta que ainda não fora respondida.

-Diga-me, amiguinha! Por que ninguém lhe ajudou até agora???

-Ora, ora menino! Não fui ajudada simplesmente porque ninguém apareceu até agora para ajudar-me... Você, menino, é o primeiro que apareceu para ajudar-me e, no entanto, em vez de ajudar-me, quase esmagou-me com essas pontas rombudas aí...

No momento em que o Estrelinho ia retrucar, ele e a formiguinha ouviram passos rápidos e curtos que vinham por detrás de umas moitas cobertas de neve. Ambos olharam tensos e algo apreensivos em direção à moita. Afinal, não tinham a menor ideia de quem eram os passos de quem caminhava rápido em direção deles.

De repente, os sons dos passos tornaram-se ligeiros... Passos de quem corria... Corria afobado!

O Estrelinho e a nova amiga, a Senhora For Miga, esperaram impávidos, a chegada do visitante. Era um rato silvestre, um preá! O preá corria ligeiro, afobado e olhando para trás... E por essa razão, de vez em quando ele tropeçava e caia, depois, levantava-se e, furioso, falava vários impropérios...

Ao avistar o preá, o Estrelinho perguntou para a amiga formiga: -Amiguinha, quem é esse aí que vem correndo, tropeça, cai e levanta reclamando?

A formiguinha, a despeito de sua situação precária, deu um sorriso e respondeu: -Esse aí é o Senhor Preá, ele está sempre apressado e correndo... De qualquer forma vou pedir ajuda para ele... Ora, se vou!!!

-Senhor Preá!!! Ô Senhor Preá! O senhor que é tão ligeiro e engenhoso... O senhor pode ajudar-me??? Interrompa a sua corrida um instantinho e livra a minha perninha desse enorme floco de neve... Por favor!

O ligeiro preá interrompeu por um instante a sua corrida, reduziu a velocidade e respondeu para a desvalida formiguinha.

-Senhora For Miga, gostaria muito de ajuda-la. Porém, neste momento, estou fugindo de um gato que insiste em perseguir-me com o intuito de devorar-me... Sinto muito, não posso ajuda-la... Tenho que salvar a minha pele!

O ligeiro preá retornou à corrida e rapidamente sumiu em uma curva do caminho.

Surpresos com o inusitado da resposta do ligeiro preá, o Estrelinho e a formiguinha ainda estavam olhando um para o outro, quando por detrás da moita de onde saíra o Senhor Preá, surgiu um gato enorme com os olhos verdes faiscando, garras afiadas e as brancas presas à amostra. Imediatamente a formiguinha esquecendo o pavor que o gato gigantesco provocava, pediu para ele:

-Senhor Gato, o senhor que é tão forte e tem garras afiadas e brancas presas, e que persegue o esperto Senhor Preá que é ligeiro como o vento, tenha pena de mim... Retire esse floco de neve e solte a minha perninha...

Surpreso com o destemor da formiguinha e com a imponente presença do Estrelinho, o enorme gato interrompeu a sua corrida e, a contragosto, respondeu à formiguinha:

-Sinto muito, Senhora For Miga! Não posso ajuda-la agora... Neste momento estou fugindo de um cão que está perseguindo-me com a infame intenção de retirar-me a bela pelagem...

Imediatamente o gato retornou à sua corrida alucinada, e, logo em seguida, um enorme cão pastor apareceu correndo, latindo e arfando enquanto contornava a moita coberta de neve...

Vendo o gigantesco cão pastor, a formiguinha imediatamente pediu para ele ajuda-la:

-Senhor Cão Pastor, o senhor que é tão forte e que persegue o Senhor Gato que tem presas brancas e garras afiadas, e que persegue o Senhor Preá que é ligeiro e esperto... Tenha pena de mim! Use a sua força, retire esse floco de neve e livre a minha perninha... – a formiguinha foi secundada pelo Estrelinho Azul que intrometendo-se no pedido de auxílio da amiga, completou:

-Isso mesmo, Senhor Cão Pastor! Faça o favor de ajudar a minha amiguinha, a Senhora For Miga... Por favor!

O enorme cão pastor interrompeu a corrida, e, respondendo aos amigos, Estrelinho e For Miga, falou arfando muito enquanto abanava a calda, agitadíssimo:

-Desculpem-me, Senhora For Miga e seu amiguinho azul aí! Neste momento não posso parar de correr... Estou fugindo do bicho homem... O bicho homem é um bicho muito feroz que me persegue com uma rede de capturar cachorros na mão e com intenção de prender-me em uma carrocinha e depois levar-me para o Canil Municipal, onde ficarei prisioneiro sem poder correr pelos campos em total liberdade como é do meu gosto... Sinto muito, amiguinhos!!! Estou com pressa e não vou poder ajuda-los!

Desolados, o Estrelinho Azul e sua amiga, a Senhora For Miga, entreolharam-se buscando uma solução que parecia inexistir naquele momento, quando, apreensivos, ouviram passos pesados e apressados vindos da direção da moita coberta de neve. Imediatamente olharam para a moita, branquinha de neve, esperando para ver quem viria correndo desta vez...

Não demorou muito e apareceu o bicho homem correndo apressadíssimo, olhando para trás e enxugando o suor da testa, apesar do frio intenso que fazia naquele momento.

A Senhora For Miga e seu amigo Estrelinho não perderam tempo, imediatamente pediram para o bicho homem ajuda-los.

-Senhor Bicho Homem...!!! Senhor Bicho Homem, por favor!!! O senhor pode parar um minutinho e escutar-me??? – pediu a Senhora For Miga seguida do seu amigo Estrelinho. – Isso mesmo, Senhor Bicho Homem! O senhor pode parar um minutinho e escutar o que a minha amiga, a Senhora For Miga tem a dizer-lhe, Senhor Bicho Homem???

O Bicho Homem que não era tão feroz assim, e que, na verdade... No fundo, no fundo, era até bem gentil. Parou a corrida que empreendia e, muito surpreso, ficou olhando para aquela dupla inusitada formada por uma estrela azul com um fio dourado e brilhante enrolado nas pontas e uma formiga com um paninho estampado amarrado na cabeça.

O Bicho Homem ficou ali, parado... Parado e com uma mão no queixo e outra coçando a cabeça enquanto olhava com extrema curiosidade para os dois estranhos amigos que o miravam de volta com um misto de curiosidade e medo.

A Senhora For Miga foi quem quebrou o silêncio primeiro: - Senhor Bicho Homem, desculpe-me por interromper os seus afazeres, porém, tenho um pedido urgente para fazer-lhe.

-Isso mesmo, Senhor Bicho Homem! Ela tem um pedido para fazer ao Senhor. – ecoou o Estrelinho Azul.

Vendo que o Bicho Homem aparentava dar um pouco de atenção para eles, a formiguinha iniciou o seu lamento:

-Senhor Bicho Homem, o senhor que é tão valente e que persegue o senhor Cão Pastor que é tão forte e que persegue o Senhor Gato que tem presas brancas e garras afiadas e que persegue o Senhor Preá que é ligeiro e esperto... Tenha pena de mim, retire esse grande floco de neve e liberte a minha perninha. – a formiguinha foi secundada pelo Estrelinho Azul: - Isso mesmo, Senhor Bicho Homem, liberte a perninha da Senhora For Miga!

Então, o Bicho Homem retornando à sua corrida, desculpou-se com senhora For Miga e seu amiguinho, o Estrelinho Azul:

-Desculpem-me, amiguinhos! Mas eu estou correndo para poder atravessar o rio congelado antes que o poderoso Sol chegue com o seu calor e derreta o gelo que cobre o rio, impedindo-me assim, de atravessá-lo com segurança. – e lá de longe, o Bicho Homem ainda gritou: - Por que vocês não pedem a ajuda do majestoso Sol? Ele é muito poderoso e com o seu forte calor poder derreter esse floco de neve que prende a perna da Senhora For Miga com a maior facilidade.

Ouvindo o último grito, lá de longe, do Bicho Homem, o Estrelinho Azul sorriu de ponta a ponta e falou para a Senhora For Miga:

-Ora bolas!!! Por que será eu não pensei nisso antes??? O majestoso e poderoso Sol é o meu tio querido e gosta muito de mim... Ora bolas!!! É só eu fazer o pedido para o meu tio, o poderoso Sol, e ele derrete esse chato desse floco de neve em dois tempos... Ora, se derrete! Derrete sim!!!

Incontinenti, o Estrelinho Azul, todo satisfeito, esperou que as Tias, enormes, bonachonas, porém de pouco juízo, as obesas Nuvens Plúmbeas, parassem de tagarelar e impedir a passagem da luz solar, lá de cima, do Céu, e abrissem um pouquinho de espaço para a luz dourada do seu poderoso Tio, o Sol, conseguisse passar, ainda que só por um instante. E quando esse momento acontecesse, o Estrelinho Azul iria chamar o Tio Sol para fazer o serviço dele, ou seja, lançar um pouquinho de calor no meio daquele tapete de neve e derreter o enorme floco que prendia a perninha da sua amiga, a Senhora For Miga.

Não demorou muito, as Tias Nuvens Plúmbeas pararam a tagarelice e se afastaram um pouquinho umas das outras... Com isso, o Estrelinho Azul conseguiu vislumbrar o poderoso Tio Sol e o chamou aos pulos e aos gritos:

-Êêêêiiiii Tio Sol!!! Êêêêiiiii Tiiiio! Estais me ouvindo, Tio???

Os chamados do Estrelinho Azul, levados pelo Tio Vento Invernal, subiram pelos troncos de araucária, atravessaram os galhos e foram levados pelas gralhas até o alto das montanhas. E de lá, chegaram ao Céu. E do Céu, foram se aninhar bem nos ouvidos do poderoso Sol que, ouvindo os chamados do sobrinho querido, olhou para baixo, viu o Estrelinho, e atendendo aos pedidos no menino sapeca, sorriu e respondeu aos apelos dele com sua voz tonitruante:

-Oi, sobrinho! Eeeei...!!! O que é que você está fazendo nessa parte do Brasil??? Região Sul??? No meio da neve???

-Pois é, Tio! Quando eu desci do Céu, achei que iria parar na praia como da outra vez, e no entanto, acabei aqui... E agora estou com um problema e espero que o senhor resolva para mim. – e o Estrelinho contou para o poderoso Sol o que tinha acontecido com a amiga, a Senhora For Miga, e todos os aborrecimentos decorridos daí... Desde a prisão da perninha dela sob o floco de neve, até os pedidos de ajuda negados pelo Senhor Preá, o Senhor Gato, o Senhor Cão Pastor e o Senhor Bicho Homem, concluindo:

-Então, Tio, eu pensei...! Vou atender à sugestão dada pelo Senhor Bicho Homem. E agora eu estou pedindo para o senhor lançar um Raio de Luz com bastante calor para derreter esse enorme floco de neve que está prendendo a perninha da minha amiga.

O poderoso Sol coçou a flamejante barba dourada, engelhou a testa, ergueu as sobrancelhas e olhou para cima e para os lados, coçou o queixo, disfarçou, fungou e, finalmente respondeu para o sobrinho.

-Querido sobrinho Estrelinho Azul, consternado, peço mil desculpas para você e para a sua amiga, a Senhora For Miga, mas... receio não poder ajuda-los agora, pelo menos neste momento... – o poderoso Sol foi abruptamente interrompido pelo surpreso Estrelinho:

-Uéééééééee... Tio! Como assim, não pode ajudar? O senhor, por acaso, não é o todo poderoso Sol? O rei da Via Láctea? O “cara”...? Não estou enteeeendendo!!!

O poderoso Sol, um pouquinho envergonhado pela sua aparente impotência diante um problema tão pequeno, explicou para o sobrinho a razão de não poder ajudar a pobre da formiguinha:

-Meu querido sobrinho, sou tudo isso aí que você falou e um pouco mais... Acontece, meu caro, é que, como astro e membro da Comunidade Galáctica, infeliz ou infelizmente, sou subordinado às imutáveis Leis da Natureza. E por esse motivo, na Estação de Inverno, o meu poder fica reduzido ao mínimo. É por isso que o meu calor, por algum tempo, não tem força suficiente para derreter a neve... Nem mesmo esse pequeno floco que prende a perninha da sua adorável amiga... Desculpe-me, Estrelinho, mas não posso ajudá-lo...!!! Mesmo que eu detenha todo o poder da Via Láctea.

Muito triste diante da resposta desoladora do Tio Sol, o Estrelinho, cabisbaixo, deixou cair as pontas, fungou decepcionado e comentou com a amiga que sofria de frio e com o peso do floco de neve cada vez mais pesado que prendia, inexoravelmente, a sua perninha:

-E agora, Senhora For Miga? Vamos fazer o quê? Se nem o Tio Sol que é todo poderoso pode nos ajudar... Quem poderia???

Vendo que as Nuvens Plúmbeas começavam a se ajuntar para tagarelar novamente e assim, formando uma nova cortina que impediria a livre passagem da Luz Solar, o poderoso Sol antes sumir no meio das nuvens, falou para o sobrinho:

-Você, Estrelinho Azul!!! Você pode ajudar a sua amiguinha... É só você friccionar as pontas do seu Fio de Luz, uma contra a outra, que elas geram calor... E aí, é só encostar uma das pontas no floco de neve que ele derrete... Viu, Estrelinho??? Nem tudo está perdido! – e com último adeus, o poderoso Sol se despediu do sobrinho: - Tchau, criança! Não esqueça que sua mãe o espera na hora do almoço...

Exultante de alegria, o Estrelinho Azul voltou-se para amiga e comentou:

-Carácolas, Senhora For Miga!!! A solução estava o tempo todo bem aqui, ao nosso alcance... Como eu não percebi essa solução antes??? Sou mesmo muito distraído... Indesculpável, a minha desatenção...! Desculpe-me amiguinha!

Imediatamente o Estrelinho Azul pegou as duas pontas do seu Fio de Luz e começou a flexiona-las, porém, logo parou diante do calor intenso que as pontas provocavam. Mais uma vez desolado, o Estrelinho Azul falou para a amiguinha:

-Minha querida Senhora For Miga, temos uma situação!

-Como temos uma situação, Estrelinho? É claro que temos uma situação, menino...!!! Uma situação bem calamitosa, por sinal! Se é que você me entende! Eu estou presa há horas e quase morrendo de frio... Então, Estrelinho, temos uma situação, sim! Eu continuo presa, e você, parado aí como se fosse um poste, com as pontas do Fio de Luz ardendo nas suas pontas! - falou a formiguinha com extrema ironia e irritação.

-Na verdade, Senhora For Miga, temos mesmo é um problemão! – diante das antenas erguidas da Senhora For Miga, indicativo claro de interrogação, o Estrelinho, explicou – Calma, Senhora For Miga, explicarei já! Como eu tenho muita força, quando eu pressiono as pontas do Fio de Luz, uma contra a outra, eu provoco muito calor.... Calor demais! E, neste caso, além de derreter o floco de neve, eu vou acabar queimando a Senhora também... Torrando, entendeu???

-Entendi...!!! Entendi...!!! É claro que eu entendi, menino bobo!!! Estamos encrencados, os dois! Eu, mais que você! E agora? O que vamos fazer para resolver o nosso... O nosso, não! O meu problema?

Uma circunspecta e velha Coruja que estava abrigada do frio, escondida dentro do oco de uma árvore e a tudo assistia atentamente para aprender um pouco mais o quanto os seres podem ser tão tolos (o Estrelinho e a Senhora For Miga); egoístas (o Senhor Preá, o Senhor Gato, o Senhor Cão Pastor e Senhor Bicho Homem); e impotentes (o poderoso Sol), diante das gigantescas forças da Mãe Natureza, pois era uma ave muito esperta. – e não era à toa que a Coruja, desde tempos imemoriais, era símbolo do Bom Senso e da Sabedoria -, resolveu intervir na conversa dos dois amigos e propor uma alternativa para o problema que se apresentava.

-Bom Dia, amigos! Faz muito tempo que estou observando vocês dois procurarem uma maneira de livrar a perna da Senhora For Miga desse floco de neve. O menino aí, o Estrelinho... É esse seu nome não é? – curioso com aquele ser estranho de olhos grandes e esbulhados que se metera na conversa, o Estrelinho assentiu que sim, seu nome era Estrelinho, e a Coruja continuou na sua peroração.

-Como eu estava dizendo, vi que vocês pediram ajuda para vários bichos que passaram por aqui. Nenhum deles ajudou, preocupados que estavam com os seus próprios problemas... Até o poderoso Sol, Rei da Via Láctea, mostrou-se impotente para prestar auxílio, embora sugerisse uma solução criativa... Propôs ao Estrelinho que esfregasse as pontas do seu Fio de Luz para gerar calor... O problema é que o Estrelinho tem muita força e gera calor demais, pondo em risco a integridade física da Senhora For Miga... Correto?

-Correto! E daí? Senhora... Senhora... Como é mesmo o seu nome? Senhora...??? – Coruja! O meu nome é Coruja! – respondeu a ave com os olhos brilhando de dentro do oco do pau. – Pois é, Senhora Coruja! O Que é que a senhora “sabichona” propõe? – perguntou o Estrelinho.

-O que eu proponho é simples e elementar, meu caro Estrelinho. – começou a responder a Senhora Coruja – Eu proponho uma adequação de forças, ou melhor, o uso proporcional da força. Senão, vejamos... O menino aí, o Estrelinho, tem muita força e por isso, ao esfregar as pontas do Fio de Luz gera muito calor. Certo...??? Então...!!! Se o Estrelinho é muito forte e gera calor demais... Eu proponho que a Senhora For Miga, que é pequenininha e que, neste momento, encontra-se debilitada e fraquinha, que ela friccione as pontas do Fio de Luz, o que, obviamente, vai gerar um calor bem fraquinho... Fraquinho o suficiente para derreter apenas o floco de neve sem queimar ou fritar a perna da Senhora For Miga. Correto...???

-Êêêbaaaa!!! Até que enfim, encontrei vida inteligente na Terra e consegui uma ajuda providencial e criativa!!! Arrffff!!! Senhora Coruja, muito prazer em conhece-la! Gosto muito de seres inteligentes!!! Hoje eu aprendi com a Senhora, o significado e o valor da proporção... Valeu, hem!!! – vibrou com intensa alegria e emoção o Estrelinho Azul.

De pronto, a Senhora For Miga, bastante debilitada devido ao frio e ao peso do floco de neve sobre a sua perna, pediu imediatamente o Fio de Luz, pegou as pontas com suas patinhas minúsculas e trêmulas de frio e, com o resto de suas forças, as esfregou vigorosamente.

As pontas douradas do Fio de Luz começaram a ficar, primeiro, num tom rosado escuro, e, aos poucos, foram ficando rubras de calor, mas sem muita intensidade... Logo, logo um calorzinho começou a emanar das pontas avermelhadas... Então, a Senhora For Miga, com muito cuidado, encostou as pontas do Fio de Luz sobre o floco de neve, e, lentamente, o floco de neve começou a derreter, e pouco depois o floco de neve não passava de uma minúscula poça de água morna.

-Vivaaaaaa!!! – gritou exultante, o Estrelinho Azul quando viu a perna da Senhora For Miga libertada do floco de neve.

Rapidamente a Senhora For Miga encolheu e esticou a perninha para ativar a circulação da hemolinfa, o sangue das formigas, e percebendo que a sua perninha estava em perfeitas condições, a formiguinha arrumou o paninho estampado que cobria a cabeça, pegou o carocinho de pólen que ela estava levando para o formigueiro quando foi atingida pelo floco de neve, agradeceu a ajuda do Estrelinho Azul e da Senhora Coruja e saiu apressadamente em direção à sua casa, pois as formigas durante o Verão trabalham sem parar, porém, no Inverno, elas ficam em casa para se abrigar contra o frio e as tempestades de neve. É assim que elas são! É a natureza delas!

Ainda surpreso com o estranho comportamento da Senhora For Miga, o Estrelinho Azul olhou para a Senhora Coruja procurando uma explicação, porém, a Senhora Coruja apenas sacudiu e encolheu as asas, balançou a cabeça e retornou para o oco do pau. Tinha coisas mais importantes para fazer... Por exemplo: Dormir! Afinal, fazia um frio de fazer congelar até pensamentos. Ainda mais se for de uma ave bem velha, como era o caso da Senhora Coruja.

De repente, o Estrelinho Azul ficou só. Ficou sozinho no meio do manto de neve que cobria a relva e a floresta em toda a extensão que a vista alcançava.

Uma "pontadinha" de fome cutucou o estômago do Estrelinho Azul e aí ele lembrou que já estava quase na hora do almoço e que tinha que voltar casa.

O Estrelinho Azul desenrolou o Fio de Luz que estava em volta dele, olhou para cima à procura do Tio Sol, mas as tias Nuvens Plúmbeas ainda estavam bem juntinhas, como sempre, tagarelando... E juntas, formavam uma cortina tão grande e espessa que não deixavam os raios do tio Sol passar. Então, o Estrelinho Azul resolveu pedir para as Tias Nuvens Plúmbeas para se afastarem umas das outras para os raios do Tio Sol poderem passar e chegar até a Terra.

-TIIIIAAAAAAS!!! Ei, Tias!!! Podem fazer-me um favor??? Queiram afastar-se uma das outras para o Tio Sol poder lançar uns raios até aqui na Terra??? Preciso amarrar o meu Fio de Luz em um Raio de Sol para poder voltar para o Céu, Tiaaaas!!! Vocês ainda não perceberam, mas, está quase na hora do almoço e eu não posso atrasar-me senão a mamãe vai ficar brava comigo.

Rindo muito da aflição do Estrelinho Azul, as bonachonas Nuvens Plúmbeas interromperam as conversas por uns instantes e afastaram-se umas das outras, o suficiente para um finíssimo Raio de Sol passar e chegar até onde o Estrelinho Azul se encontrava e então, o menino do Céu amarrou o mágico Fio de Luz na ponta do Raio de Sol e, num piscar de olhos, ele subiu para o Céu onde era a sua casa.

Quando o Estrelinho Azul entrou pela porta da frente da casa dele, a sua mãe, a Senhora Estrela D´Alva já estava terminando de pôr o almoço na mesa quando o viu, ainda mais azul do que de costume... Azulinho, azulinho de frio.

-Uééééeee, menino! Onde é que você estava brincando para estar tremendo de frio desse jeito???

-Hiiiii, mãe...!!! Eu estava ajudando uma amiga, a Senhora For Miga! – respondeu o Estrelinho enquanto caminhava para a pia para lavar as pontas antes do almoço.

A Senhora Estrela D´Alva limpou as pontas no avental, sorriu e pensou:

Esse menino inventa cada uma... Onde já se viu, existir formigas aqui no Céu? Só na imaginação do Estrelinho mesmo”.

João Pessoa/PB
Jan/2015