Tonsura

Estava bem ameno aquele começo de primavera em Varsóvia, no ano de 84. E saí de bicicleta, acompanhado por Lolly para darmos uma volta nos blocos vizinhos, planinhos, de Anin/Waver, nos arrabaldes da cidade. A vegetação já recuperara o verdor, após os habituais seis longos meses de hibernação.

Vesperando fazer seus 3 aninhos, Lolly já pedalava antes que surgissem os Robinhos. Tinha as rodinhas laterais, mas levava jeito de abandoná-las muito cedo. E sem medo ou segredo em seu cíclico enredo.

Seu cabelinhos soltos ao vento, fininhos e curtinhos, vinham sendo cultivados para compor-lhe a figura na festinha de aniversário que se avizinhava. E nosso passeio com a tarde ainda no meio, junto a uma barbearia fez uma pausa, por justa causa. Eu precisava de dar uma aparada nos meus e nas mãos de uma septuagenária panie (senhora) os entreguei, enquanto Lolly, sentadinha num sofá, tudo observava, e nem pio dava.

Completada a operação, foi a vez de Lolly correr para a cadeira da barbeira. De si segura, queria por que queria, sua tonsura. Inconsequente, cedi ao apelo da requerente.

Quando voltamos pra casa, Lina não pode acreditar no que via. Chegou até a falar numa peruquinha, mas o mercado polaco não a tinha. O jeito, contrafeito, foi botar na aniversariante o seu vestidinho de seda e rezar para que os amiguinhos restringissem sua atenção aos chocolates e docinhos, desviando-se das precoces preocupações estéticas capilares. E nada abalou a menina orgulhosa de seu vestidinho cor-de-rosa, comilona e muito prosa.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 11/03/2015
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