Iniciação social

Eu tinha seis anos e, pela mão de tia Rita, fazia minha estréia social numa fogueira a Santo Antônio na casa de uma Dona Lia Fidélis, devotada viúva que apostava todas a fichas na carreira eclesiástica do filho Diogo, então ainda seminarista que, preso às lides doutrinárias na capital mineira, não aparecera. Em seu lugar, contudo, fez as honras ao santo sua irmã que era freira duma ordem que agora me escapa.

As atenções dos presentes voltaram-se para a freirinha que embora ainda não reivindicasse ter tido visão da virgem cativava os circunstantes com suas pias histórias. O momento que guardei e que mais me deixou perplexo naquela noite de espoucar pirotécnico e de uma ração singela e parcimoniosa aos visitantes foi a revelação da irmã de que, sob as ordens de sua Ordem, somente poderia fazer nova visita à mãe e família dentro de cinco anos.

Aquilo me abalou. Achava cruel demais a pessoa ficar afastada dos seus, inda mais por um motivo religioso. Eu que ali estava havia pouco mais de duas horas já sentia saudade de minha casa, situada uns cem metros à frente, na mesma rua...

No caminho de volta, a fogueira da perplexidade ainda acesa no meu âmago, vali-me da meiguice de tia Rita para lhe afirmar, com a certeza de um douto matemático que na próxima visita da irmã eu já estaria com onze anos. E dezesseis, na segunda vinda.

Tia Rita aprovou minhas contas, mas não viu palavras para me consolar. Sabia que a eternidade podia esperar.

E

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 21/05/2015
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