Gota

Era uma vez uma gotinha d’água que nascera numa região de intensa atividade vulcânica. Aquecida pela imensa pressão dentre as rochas, junto com uma série de outras gotas, fora ejetada violentamente por um gêiser num jorro de água fervente, ganhando as alturas do céu, e arrancando emocionados aplausos de turistas que admiravam aquele evento.

Uau! E como foi emocionante para a gota! Aqueles ínfimos momentos em que fora lançada aos céus foram mágicos; fora a melhor apresentação ao mundo exterior que ela pudera ter tido! A luz diurna, a visão do alto, a brisa, a leveza de se estar no ar… Ah, a leveza! Maravilhosa leveza!

Porém, pouco depois sentiu seu peso ser atraído para a terra, e caiu junto com várias outras gotas num lago que circundava o gêiser. Estava em êxtase: como o mundo exterior era lindo! E a sensação de se estar no ar… Estupenda! Mal via a hora de ser lançada aos ares novamente!

E ficou ali, flutuando no lago, pensando na próxima vez que seria elevada aos céus.

Passados alguns dias e noites, ela ganhou um rio, e foi escorrendo, batendo nas pedras, passando por longas e demoradas curvas, caindo por acentuadas corredeiras, quedas e cachoeiras, parando longamente em trechos de calmaria.

Mas nada de ser elevada novamente às alturas.

Embora estivesse na superfície, vendo e vivendo uma série de experiências em diferentes ambientes, a gota não estava satisfeita. Aquela breve experiência de estar no céu, para ela, foi inesquecível. Tinha de repeti-la, porém não conseguia. Nessa expectativa o tempo foi se passando, e ela foi ficando cada vez mais aborrecida e impaciente. Por fim, foi conduzida a um lago de águas muito tranquilas no fundo de um vale, onde ficou praticamente imóvel, causando-lhe tremendo enfado.

E mal sabia que o inverno estava apenas começando.

O tempo esfriou tanto ao seu redor, que ela congelou, e passou muito tempo assim. Com muito frio, não se movia a lugar nenhum, pois estava totalmente enrijecida. Triste e imóvel, suspirou.

- Ei, novata! Por que suspiras, tão triste? - Um floco de neve, pousado ali perto, lhe perguntou.

- Porque a vida na superfície não é tão legal como eu queria. - Respondeu, resignada.

- E por que não?

- Ficar escorrendo, sempre abaixo, não me satisfaz. Queria estar no alto, assim como quando eu cheguei aqui. Ver tudo lá de cima foi muito divertido. Queria voltar, mas não sei como.

- Tenha paciência, minha pequena. Estou aqui há muito tempo, e já fui e voltei de lá muitas vezes.

- Como você faz? - Perguntou a gota, muito interessada em saber.

- Em determinado momento, quando esquenta, muitas de nós conseguem evaporar, e subimos para o céu. Ali nós ficamos vagando ao sabor do vento, tanto livres, quanto em nuvens. Já conheci muitos lugares assim…! Acho que já rodei o mundo inteiro. É demais!

- Puxa! Quero muito evaporar logo!

- Tenha paciência, pequena gota. Estamos no inverno de um lugar muito gelado, e é tremendamente difícil evaporar agora. Com alguma sorte, evaporaremos na primavera, ou talvez no verão. Mas precisamos de tempo e alguma sorte. Aqui não esquenta muito, sabe…

- Puxa…

- Não se aborreça. Sei que é duro, mas aceite sua atual condição. Tenha fé que um dia você alcançará o que quer. Por enquanto, tenha paciência.

E a gota pôs-se a pensar naquelas palavras. Tempo… Fé… Paciência… E resolveu esperar. Afinal, não havia muito o que fazer. Então, para que se aborrecer?

E assim procedeu. Buscou nutrir-se de paciência e esperar sua oportunidade.

Veio a primavera e o verão, mas ainda não conseguia evaporar. Era apenas lançada lentamente de um lado a outro daquele lago frio por alguma correnteza embalada pelas brisas, sem conseguir ir a outro lugar além daquelas margens. Algumas de suas companheiras eram suficientemente aquecidas e subiam, leves, para o ar; outras, eram arrastadas pelas raras ventanias que se abatiam naquele vale escondido, e jogadas longe. Umas poucas, ainda, eram ingeridas por animais ou absorvidas por plantas, e iam compor os organismos desses e daqueles. E ela, sonhando ainda com a oportunidade de evaporar, esperava.

E o tempo passou.

Na forma de muitas estações, muito e muito tempo passou; até que, num verão atipicamente quente, ela viu sua oportunidade. Muitas gotas evaporavam todos os dias ao seu redor, subindo em gritarias e festejos, mas ela ainda não conseguia ser suficientemente aquecida. Porém, numa manhã de sol escaldante, ela percebeu que esquentava muito, e se sentia leve, cada vez mais leve, como nunca antes. E, assim, principiou a levitar.

Que alegria!

Dando tchau a todas as suas companheiras que ficaram logo abaixo, subia suavemente, cada vez mais alto, mais alto e mais alto…

E foi levada pelos ventos para lá e acolá. Conheceu muitos lugares, juntava-se com várias gotas em animadas nuvens, desgarrava-se e ia-se em frescas brisas marinhas e velozes ventos para localidades distantes. Alegrou-se imensamente, e sentia-se realizada. A vida no alto era deliciosa! Que vista, que voltas, que velocidade…! Assim ela aprendeu o valor do tempo e da paciência, que aquele floco de neve lhe dissera, naquela distante noite fria.

Hoje, a gotinha está por aí: numa hora vagando pelos ares, noutra hora precipitada em chuvas, neves, granizos ou geadas; também correndo em rios, flutuando em lagos e agitando-se em mares. Aprendeu o ciclo das águas, e o valor de se apreciar cada um de seus estados, mesmo os mais desconfortáveis, enquanto espera novamente para ganhar as tão ambicionadas alturas.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 27/06/2016
Reeditado em 27/06/2016
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