Sorriso de Maria

SORRISO DE MARIA

Estava chegando à festa do Círio de Icoaraci - para a peralta Clarinha, filha dos meus amigos Diquinho e Lúcia, o Círio é uma festa de magia por vários motivos, porém, dois são os principais: O primeiro é que Clarinha, desde os seus seis anos de idade vai para a procissão vestida de anjo, por causa da promessa feita por sua mãe no leito de morte da filha, que reagiu e hoje com dez anos vende saúde. Outro motivo é o arraial na praça com suas guloseimas e entretenimentos: algodão doce, maçã do amor, pescaria, roda gigante, cavalinho e outros.

Semana antes, ela participava de todas as atividades ajudando a tia e a mãe no preparo da maniçoba (que ainda é moída em casa), na arrumação e limpeza do lar. Até as arvores em frente a casa são caiadas por ela, que diz com sua vozinha fina “pra ficar limpinha limpinha”.

Para lavagem de lençóis, redes, que é feita no igarapé próximo ao quintal de sua casa, Lucia não deixa que ela vá.

O dia todo inquieta, sua tia Augusta a repreende:

- Vai dormir cedo, te aquieta menina! Se tu queres ser anjo, que diabo de anjo... eu hein, cruz credo!

Mas Clarinha anseia por chegar o dia, suas “asas” estavam lindas, bordadas com miçangas e lantejoulas. Foi em casa buscar-me só para mostrar:

- Vais ver como estão lindas, tão alvas que dá gosto, disse-me.

Realmente, pareciam mesmo angelicais.

No sábado, a bandinha que toca sempre aos domingos explode de alegria. É como um chamado para as famílias, com tios, avós, padrinhos e amigos, todos emperiquitados dirigindo-se a trasladação. O sino repicando dá boas vindas a todos e saúda Nossa Senhora na berlinda, que iluminada parecia mais que celestial, deixando todos comovidos num acompanhamento repleto de lágrimas. Clarinha, emocionada de mãos dadas com a prima que mora em Belém, apontava toda hora para a berlinda, e no sufoco conseguiu o seu objetivo; que era chegar mais próximo. Gesticulando, era como se estivesse conversando com a Santíssima mãe.

Na hora do cântico “Vois sois o lírio mimoso”, sua voz foi tão estridente e vibrante que a imagem sorriu e piscou para a menina, que numa prece agradeceu pela vida, pelo azul do céu, pelos pais, amigos e tudo mais. Aflita estava para encontrar-me logo e tudo contar.

Já os aplausos começavam. Todos maravilhados com o rio da cascata que subia e descia do céu para homenagear Nossa Senhora das Graças. Era explosão de fogos, pedidos, agradecimentos.

Pescadores, camelôs, operários, intelectuais, turistas, todos unidos em oração dirigida à “Rainha Nossa Mãe”.

Clarinha logo me encontrou e relatou o acontecido, eu sorri e disse:

- Mas é claro, ela sorriu pra mim também, ela não é Nossa Senhora das Graças?

Como ela ficou brava eu fingi que acreditei. Fomos direto para casa, e ficamos num bate papo animado na porta, mas todos recolheram-se cedo por causa do Círio. Clarinha abraçou-me e deu boa noite, respondi:

- Durma com os anjos.

Ela foi para o seu quarto, o vestido já estava colocado no cabide; as asas na cadeira e os sapatinhos embaixo da mesma. Lá pelas tantas da madrugada, a menina acordou e viu aquela senhora linda olhando-a, com um terno sorriso. Ela não se espantou, pois já a conhecia. Certa vez, numa febre muito alta, ela tocou seu rosto e limpou o suor com o manto que vestia.

Maria Clara esfregou um pouco os olhinhos e disse:

- Senhora, não vês que estás amassando minhas asas e pisando nos meus sapatos? Amanhã, no Círio, eu quero te acompanhar bem bonita, ser teu anjo e estar bem arrumadinha. Nossa Senhora respondeu:

– Clarinha, isso que você falou é importante, porém, o que mais desejo a você e a todos é que tenham sempre muita fé e esperança, que busquem principalmente o amor, e deem para todos os irmãos, independente de cor, raça, religião. Prometa que sempre amarás e ajudarás a seu próximo?

A garotinha respondeu: - Sim minha mãe Santíssima, prometo amar a todos, começando pelo meu lar. E assim adormeceu, com a Virgem Mãe segurando sua pequenina mão. Ao acordar, sua mãozinha estava na mesma posição. Apanhou uma rosa deixada na cama, correu para os braços de sua mãe e seu pai, entregando-lhes a rosa.