O velho e o menino - R. Santana
O velho e o menino
R. Santana

Estava sentado no banco da praça “X” quando fui atingido por uma bola e atrás da bola um menino, de chofre lembrei-me do saudoso locutor Nilton Silva que na sua “Voz do Povo” (rede de alto falantes), alertava os motoristas: “Cuidado motorista, atrás duma bola vem sempre uma criança!”, Nilton Silva, aliás, conhecido por amigos e inimigos pelo apelido de “Lagartixa”, era um

sujeito pretensioso em sua simplicidade, às 4: 00 h da manhã, ele acordava os moradores com seu programa sertanejo, mas antes anunciava: “Amigos e amigas, bom dia! A “Voz do Povo”, do seu estúdio, à Avenida Princesa Isabel, 1020, Bairro São Caetano, a partir de agora, fala para Itabuna, o Brasil e o mundo!...”.
De quando em vez, eu o caçoava: “Lagartixa os seus alto-falantes são ouvidos, somente, no São Caetano – e, olhe lá! -, não Itabuna, Brasil e mundo, ah ah ah...”, ele justificava: “Os nativos daqui são itabunenses, mas há gente de Sergipe, de Alagoas, de Pernambuco, etc., ou seja, gente de outros brasis, e, gente português, espanhol, inglês, logo, do mundo” – fazia sentido... Aí, dei-me conta do meu devaneio quando um loirinho me tocou:
- Vô, desculpe, foi sem querer... – fiz-me de zangado:
- Garoto, quase quebra meu óculos! - Mas... mas... eu... eu lhe pedi desculpas... – com cara de choro.
- Oh, não precisa chorar garoto! – brinquei:
- Homem não chora! – selamos nossa amizade com um toque de mãos espalmadas, depois com o toque das mãos em punhos:
- Seu nome?
- Paulo Guilherme! – mais descontraído:
- E o seu, vô?
- Narvil!
- Hum... hum...que nome bonito!
- O meu nome é comum, mas o seu é cheio de significado: Guilherme foi um grande rei normando, cujo codinome era o “Conquistador”; Paulo um líder de todos os tempos da religião cristã, um apóstolo de Jesus Cristo!
- Uau!!! Você é sábio!?
- Quê sábio!?...
- Meu pai disse que os velhos são sábios...
- Paulinho, seu pai quis dizer que “alguns velhos são sábios”, não foi?
- Não sei!
- Você tem quantos aninhos?
- Seis!
- Já sabe ler e escrever? – acrescentei:
- Paulinho, quer ler aqueles nomes?
-Mi...xi... mixi... ri... cas...”Mixiricas!”; de...ta...lhes...”Detalhes!”; so...a...res...”Soares!”; con...sul...”Cônsul!”...
- Parabéns, Paulinho!
- Vô, ainda não leio de uma vez... gaguejo... não é?
- Paulinho é assim no início, com o tempo, você irá ler corrido igual um trem bala!
- Você gaguejou quando era pequeno?...
- Pior, Paulinho! Na sua idade, eu ainda estava no ABC, não soletrava. A professora lia corrido o alfabeto, depois furava um buraco numa folha de papel, colocava aleatoriamente o buraco do papel na letra e perguntava: “Quê letra é esta?”, se errasse...
- Se errasse, vô?
- Bem... se errasse, ela dava na mão com palmatória!
- Palmatória é o quê?
- É uma peça circular pequena de madeira com um cabo (eu a desenhei no chão do jardim), antigamente, quando o aluno não acertava a lição, ele tomava “bolo” nas mãos!
- Tia Ruth não me bate, quando não sei a lição, eu fico de castigo pra pensar!
- E, quando sabe a lição?
- Eu assisto aos filmes, desenhos na TV e, uso os brinquedos da escola!
- Ufa!... Quais são os filmes e desenhos que você gosta?
- Peppa Pig, Os Três Porquinhos, Capitão América, Homem Aranha, Frozen, Dora, Chaves, Patati Patatá, Atchim e Espirro...
- Um bocado, né?
- Sim!
- Mas... os que você mais gosta?


- Vô, gosto muito de Chaves, Capitão América, Homem Aranha, os brinquedos eletrônicos e os jogos pra encaixar peças!
- Paulinho, eu tenho inveja de sua época, na minha época, não havia esses super-heróis em DVD, os heróis vinham em revistas de quadrinhos, literatura de cordel, depois surgiram as revistas de Walt Disney e histórias de livros escolares, aliás, não havia TV, não havia videogame, brinquedos educativos, etc., até as novelas eram radionovelas!
- Vocês brincavam de quê?
- Paulinho, as nossas brincadeiras contribuíam para o desenvolvimento da mente e do físico mais que hoje. As meninas brincavam de boneca, bambolê, pular corda, amarelinha, esconde-esconde; os meninos, de peteca, jogo de bola, de carrinho de rolimã, de pipa, de esconde-esconde, de pega-pega, de gude, de corrida de bicicleta... – fomos interrompidos por 2 casais de pombos.
Paulinho é um menino precoce, mas como todo menino de sua idade, os passarinhos, as aves, os cachorros, os gatos, os cavalos, os jegues, enfim, os animais, exercem um fascínio que as crianças e os adultos não resistem. Ele me deixou sozinho sentado no banco da praça e, tirou do bolso um pacotinho de biscoitos de chocolate e começou alimentá-los, os pombinhos, num instante, ficaram seus amigos e ele foi puxando-os para um canto distante de onde estávamos. Quando não mais havia farelo de biscoito, os pombos bateram asas e voaram.
Paulinho voltou para mim, quis lhe falar que não era sábio, pois cada um é sábio de sua sabedoria, que de acordo o nosso pensador Paulo Freire: “Não há saber mais nem saber menos, há saberes diferentes”, e, daria o exemplo que ele sabia todas as histórias dos super-heróis atuais, enquanto eu não sabia nada, porém, tal conversa havia sido esgotada, por isto, puxei conversa que mais lhe agradaria naquela hora:
- Cadê os pombos?
- Quando terminou o biscoito, eles voaram!
- Você não ficou zangado, Paulinho?
- Não vô, é assim mesmo, quando eu como, vou brincar, capo o gato!
- Você gosta dos bichinhos, né Paulinho?
- Minha mãe me ensinou gostar! Lá em casa ninguém mata nem formiga, meu pai é médico, diz que os bichinhos têm vida, só Deus tem o direito de tirar a vida. Você gosta dos bichinhos, vô?
- Claro!
- Vô, meu pai tem uma fazenda não muito longe daqui. Lá têm cachorro, boi, vaca, cavalo, égua, frutas, verduras, e, no fundo da casa principal, ele fez um jardim com muitas flores!


- Flores?
- Muitas flores... rosas.... jasmins... orquídeas... antúrio... helicônias... hibisco... bastão-do-imperador... gengibre ornamental.... muitas flores, vô!
- Você as reconhece pelos nomes, Paulo Guilherme?
- Sim!
- Quem lhe ensinou?
- Minha mãe!

- Eu sou um ignorante, não sei diferenciar uma orquídea amarela de uma orquídea vermelha, aliás, eu não reconheço nem... uma rosa branca de uma rosa rosa!...
- Verdade!?
- Sim!
- Pois vô, eu converso com as flores, com meu cavalinho “Zé Pequeno” e minha vaquinha “Gerusa”!
- Os animais e as flores entendem sua fala?
- Sim!
- Sim? Por quê?
- No jardim, quando chego, elas estão murchas, pra baixo, quando eu chamo cada uma pelo nome, elas começam abrir-se... dentro de pouco tempo, tudo está florido e bonito!
- E os animais?
- Eu passo a mão pelo lombo, chamo-os também pelo nome, daqui a pouco, eles tão saltitantes e alegres!
- Cuidado com coices!
- Vô, não foi rápido, primeiro, o vaqueiro fez um trabalho de domesticação, depois foi minha vez! – foi interrompido por sua mãe:
- Paulo Guilherme, vamos embora! – ele me apresentou:
- Minha mãe, seu Narvil, ele, agora, é meu vô, ele é maneiro! – cumprimentamo-nos e, fiquei de visitar sua casa no Góis Calmon, por fim:
- Tchau, vô!
-Tchau, Paulinho!...





Autoria: Rilvan Batista de Santana
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Fonte (figuras): Google