O gafanhoto que tinha medo de voar

O GAFANHOTO QUE TINHA MEDO DE VOAR

- Pegou! Pegou!

João e seu amigo Anísio gritaram quase que ao mesmo tempo. Era uma sensação indescritível para eles. Seu Pedro, morador da propriedade de seu avô, tinha ensinado aos meninos como montar uma arapuca e preparar a armadilha para a captura de codornizes. Correram em disparada na direção da arapuca e depois se olharam intrigados: como fariam para retirar a ave da arapuca? Resolveram que Anisio colocaria por entre as varetas da arapuca um pedaço de pau com o formato de v na ponta e prenderia a codorniz no chão, enquanto João levantaria a arapuca e por baixo pegaria a ave. Tudo combinado era hora de colocar o plano em ação. Assim que Anisio aproximou-se e colocou o pau entre as varetas da arapuca, a codorniz caiu ao chão e ficou imóvel. Os meninos espantados com o acontecido acharam que a ave tinha morrido. João que tinha mais iniciativa, resolveu levantar a armadilha e retirar a ave, e de repente: vruuuum, a codorniz aproveitou que João tinha levantado a arapuca e fugiu. Os meninos tomaram um grande susto com o barulho do vôo da ave e da reação que ela tivera. Refeitos do susto, mas com certa vergonha estampada no rosto, tinham sido feitos de bobos pela codorniz. Levantaram-se e caíram na gargalhada até quase não parar. Parece que a atitude tomada pela ave e seu vôo prá liberdade, foi muito melhor que ter levado a ave morta prá casa.

Resolveram então colocar a armadilha na parte de baixo da roça onde tinha uma plantação de arroz. Eles tinham ouvido o comentário do morador lamentando que as casacas estivessem comendo todo o arroz da plantação da roça. O sol já quase a se esconder no horizonte quando os meninos deixaram a arapuca armada entre os pés de arroz e no dia seguinte João viria sozinho olhar a armadilha, Anisio iria acompanhar seu pai até a cidade.

Mesmo sendo despertado muito cedo com o canto do galo e pássaros, João se sentia bem naquele lugar. Gostava de sentir o vento contra o rosto, de correr por entre os cajueiros, da lida diária com as vacas e cavalos. Mesmo tão jovem, ele já observava que, em cada árvore, animal, tudo ali tinha sua peculiaridade. Tinha aprendido que cada um ali era dependente dos demais e, ao mesmo tempo, cada ser tinha a liberdade do ir i vir, o que fazia daquela pequena propriedade um lugar tão grande.

João agora retirava os paus da porteira e seu Pedro tirava o gado do curral e juntos os tocavam em direção à roça enquanto o morador contava histórias daquele lugar. Chegando perto da roça de arroz, João se despediu do morador e foi em direção a arapuca. Ao se aproximar viu a revoada das casacas, pela quantidade de aves, com certeza teria alguma embaixo da arapuca. Mas ao chegar ao local viu também um grupo numeroso de gafanhotos se afastando uns saltando entre os pés de arroz, outros num vôo rasante sobre a plantação. Em cima da arapuca que se encontrava de maneira igual tinha deixado no dia anterior, tinha um gafanhoto fazendo bastante barulho, cri- cri-cri. João pegou um pequeno graveto e procurou afastar o inseto dali. Com ele em cima da arapuca e fazendo barulho daquele jeito as casacas não iriam se aproximar da armadilha mesmo.

No dia seguinte, João voltou à roça e verificar se desta vez tinha sido capturada alguma ave, e novamente estavam lá os gafanhotos que voaram se afastando do local. E aquele que parecia ser um gafanhoto ainda jovem continuava lá fazendo barulho cri-cri-cri. João passou então a observar aquele pequenino animal e descobrir como ele conseguia fazer um som tão alto.

E assim foram os dias que se seguiram, nada de casacas na arapuca. Na verdade, João nem se importava mais com a captura de aves e sim, o porquê daquele gafanhoto não voar junto com os demais, de tanto observá-lo, descobriu que o cri-cri-cri do gafanhoto era produzido pela fricção das patas dianteiras com as asas do inseto. João conseguiu pendê-lo entre os entre os dedos e o jogou prá cima para que voasse. O gafanhoto parecia se debater no ar e caiu.

O jovem gafanhoto tinha se acostumado com a presença de João e nem parecia mais nervoso quando era pego pelo menino e jogado prá cima numa tentativa de vôo. João compreendeu que o gafanhoto sabia mais não queria voar.

João mudou a estratégia. Colocou o gafanhoto sobre o ombro e passou a correr pela roça. Era uma forma de incentivo ao inseto para perder o medo e andar sobre a roça voando sozinho. E o gafanhoto parecia compreendê-lo, pois em alguns momentos batia as asas e fazia seu barulho habitual cri-cri-cri, como forma de agradecimento.

Depois de muitas tentativas, numa manhã ensolarada e céu limpo, correndo entre os pés de arroz, do ombro de João o gafanhoto bateu asas e voou.

João parou e ficou a observar o gafanhoto. Era um voou lindo, um vôo de liberdade, um vôo de alguém que descobriu que também era capaz de voar sozinho, uma decisão.

João caminhou até a sombra de um jovem cajueiro e sentou-se. Lembrou do vôo da codorniz e o comparou com o vôo do gafanhoto e compreendeu que realmente o que importava naquele lugar era a liberdade de poder voar. Foi até a arapuca, desarmou-a e voltou correndo para casa batendo os braços e sorrindo. Naquele lugar, ele também, podia voar.

Henrique Rodrigues Inhuma PI
Enviado por Henrique Rodrigues Inhuma PI em 29/10/2018
Reeditado em 03/11/2018
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