De como duas ladinas obtiveram cada uma vantajoso casamento

Numa fria noite chuvosa, Hortência e Rosalinda estavam à sala de um casebre de pedras, próximas a uma ardente lareira, cobertas às costas com vistosas mantas, e deliciando-se cada qual um pote com pipocas, e café em canecas de porcelana; fazia-as companhia suas avó, mãe de suas mãe. E está contou-lhas durante a tarde várias histórias, e ao fim da mesma, começou ensiná-las a como arranjar um marido.

"Como vovó, é muito difícil?" perguntou Hortência.

"Nada, minha fia. É mole! Mais fácil do que cozinhar arroz." Respondeu-lha avó.

"Como é?" perguntou Rosalinda intrigada.

"De inúmeras maneiras." disse a avó. "Mas tem uma que é danada de dar certo, porque dá para escolher entre alguns, os que aparecerem, qual é o mais bonito ou o mais valente."

"É mesmo!" exclamaram as meninas. "Como é isso vovó?"

"Bom..." começou a velhinha. "Primeiro uma de vocês, vai se aonde têm vários entulhos e madeiras ao chão e grita fazendo-se de desesperada, assim. Ahhh uma barata, uma baraaaata!!!! Como se realmente tivesse uma lá; então aparecerá alguns moços, os tais pretendentes, e esses perguntarão-te aonde está a bichana, aí você diz: está ali nos entulhos; e aponta para parecer mais dramática. E enquanto eles procuram-na, você fica olhando-os, fazendo um tipo de avaliação, reparando em qual encaixa-se melhor as suas exigências. Depois àquele que mais te agradar, você pula em seu colo, gritando que viu a bichana mais uma vez; e assim nos momentos que estiverem bastante grudadinhos, o amor dará inevitavelmente os seus passos, e o resto acontecerá naturalmente."

"Eita!!! E isso funciona vovó?"

"Claro que funciona, não vêm que seu avô e eu, vamos completar no mês vindouro: bodas de ouro, é mais que uma prova definitiva de que o truque é bom."

"Eu já vi a senhora matar muitas baratas, vovó; por que agiu assim?" Perguntou Rosalinda com a aquiescência de Hortência.

"Ora, por quê. Eu queria arranjar um marido, e depois que casei, não precisei mais fingir um medo tão absurdo."

"Aaaahh!" disseram as meninas. "A senhora é muita ladina, vovó!" completou Rosalinda.

"E podemos usar esse truque?" perguntou Hortência.

"Claro que pode." disse a vovó. "Mas não as duas, pois ficará muito na cara. Uma usa, a outra utilizará um outro truque."

"Mas qual?" perguntaram as meninas.

"Bom... Tem o truque que usou minha irmã: Avelina. Também é muito bom."

"E como é?" perguntaram esperançosas as meninas.

"Bom." começou a vovó. "Ela certa vez, ainda bastante jovem, e louca para ter um marido, foi às margens de um lago, que ficava bastante próximo lá de casa, e esperou que passasse o primeiro pretendente, quando este chegou, ela disse-lhe.

"Ooohh, bondoso cavaleiro; meu colar de muita estima, a qual ganhei como herança caíra ao lago; o senhor, homem de bom coração como se pode ver; poderia mergulhar aí, para vê se consegue achá-lo?"

"Claro senhorita." disse o dito cujo. E mergulhou na lagoa, na verdade muitas vezes pulou e repulou às águas barrentas daquele fedido lago; porém, nada encontrou. E saiu desculpando-se por não conseguir.

"Desculpe, senhorita. Não consegui encontrá-lo."

"Tudo bem, nobre cavaleiro. Muitíssimo obrigada pelas tentativas que fizeste; mas é melhor o senhor ir para sua casa secar-se, ou pegará um resfriado." Foi o que disse-lhe, Avelina; e o dito seguiu seu caminho todo ensopado e fedendo as bicas.

Minha irmã novamente esperou um outro pretendente passar. E com muita paciência, pois sabia que o próximo ou os próximos, também poderia dar em nada; o que de fato aconteceu. Pois, o mesmo ocorreu com os outros dois camaradas que ali passaram; mergulharam e mergulharam no lago, e só conseguiram obter cada um: forte resfriado. Porém, já ao fim da tarde, e minha irmã já impacientando-se, um quarto sujeito passou, e ela pediu-o do mesmo modo para ele, como fizera com os outros três primeiros; todavia, este disse-lha.

"Sinto muito por seu colar, menina; de verdade. Mas não poderei entrar no lago."

"Por quê?"

"Porque o lago é muito grande e barrento, sabe se lá onde possa estar o colar, e eu, jamais o encontraria-o. Mergulhar ao lago seria apenas uma grande perda de tempo."

"Então." disse minha irmã felicíssima. "És tu o escolhido." e agarrou-o para nunca mais soltá-lo, e pode se afirmar que é verdade, pois esse ano, Avelina e seu escolhido, completarão quarenta e sete anos de vida conjugal."

"Puxa!?" disseram as meninas. "Era o tio Zé então; não é, vovó?"

"O próprio!!" respondeu a avó.

"Mas vovó, por que ele foi o escolhido? Ele não foi prestativo em ajudar a tia Avelina."

"Ahhh!!!" disse a avó. "É porque ele não foi trouxa de pular naquele lago sujo e fedorento."