UM INSTANTE DEMONÍACO

Creio que ninguém gostaria de ter na vida um momento demasiadamente temeroso, tal qual vivi num apavorante sonho, bem na fase angelical da minha infância.

Era de costume a garotada brincar de pega-pega; jogar bola de gude, correr na grama e depois se reunir para conversar, contar causos, anedotas, piadas e, por fim, darem muitas risadas ao colocarem defeitos e apelidos nos transeuntes que por ali passavam. Tais feitos eram repetidos quase que em todos esses costumeiros encontros, onde surgiam conversas a respeito de vários assuntos e, principalmente, sobre fantasmas e demônios.

Eu gostava de estar presente nos tais grupos de amigos somente para sorrir dos causos, das anedotas e piadas. Tudo era motivo de alegria naquelas tardes de calor que ficávamos confortados na grama que havia na praça: bem na frente da igreja matriz do lugar. Naquele tempo lá não tinha calçamento, por isso a nossa liberdade para brincar era ampla e prazerosa.

Dentro da turma havia alguém que só gostava de contar casos arrepiantes sobre defuntos, almas e coisas do além. Eu, na minha meninice, tremia de medo, mas ficava ouvindo somente para não ser chamado de frouxo, babaca etc e tal. Certa vez o tal garoto contou um caso de assombração que me deixou muito amedrontado, e para meu desespero personifiquei dentro de um sonho tudo que ouvi e toda façanha se deu assim:

***

“Era de tardezinha, quase no pôr do Sol, quando eu - ainda bem pequeno - andava por uma rua de terra muito estreita e na minha esquerda havia um muro muito alto e na direita umas casinhas caiadas que parecias estar abandonadas. Meu destino era indo para minha casa. De súbito, cheguei na esquina da rua e vi uma pessoa toda vestida com uma espécie de capa preta. Vi que usava um chapéu muito grande e vinha bem vagarosa na minha direção. Não identifiquei quem era, pois o rosto estava coberto pelo pano preto e pelo chapéu. Não dei nenhuma atenção, pois achava que seria alguém do lugar. Mas quando o tal elemento se aproximou de mim arreou no chão todo o chapéu e o pano preto que cobria seu corpo e ficou a dançar na minha frente balançando um rabo fino e comprido que ameaçava me chicotear. Sua boca era vermelha e sangrava, seus dentes eram bem pontudos, seus dois chifres eram curtos e de seus olhos saiam labaredas.

Foi a imagem mais evitável que uma pessoa poderia ter na vida, mas eu, criança, tive o desprazer de ver e memorizar aquele sonho para poder, um dia, narrar como seria o verdadeiro capeta”.

Deus nos livre.

José Pedreira da Cruz
Enviado por José Pedreira da Cruz em 27/04/2022
Reeditado em 27/04/2022
Código do texto: T7504157
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