Júlia, Uma História da Química

Oito horas da manhã e o sol radiante da primavera atravessava a janela do quarto de Julia, aquecendo seu rosto. Parecia ser uma luz calorenta confortante de se sentir. Julia sorri e, paulatinamente, abre os olhos para observar o dia. A primavera é maravilhosa, sua magia faz com que a natureza fique mais bela, cheias de flores coloridas e um aroma delicioso. Julia se levanta para abrir a janela e poder observar melhor seu jardim. Logo o semblante tão contente de Julia se configura em tristeza. Ao olhar para o céu observou a movimentação veloz das nuvens, uma mais escura e carregada do que a outra. “Poxa, que tédio!”, reclamava para si mesma a pobre criança de 13 anos. Em seguida o sol deixou sua beleza; seu brilho minguou às trevas. Começara a gotejar. Rapidamente Julia fecha sua janela, murmurando alguma coisa. Bufando como um pequeno filhote de leão, Julia pega seu Smarthphone e olha seu calendário: 14 de novembro, ver o vovô Roberto. “Pelo menos algo interessante farei hoje!”.

A chuva caia tamborilando nas janelas e deixando a vidraça toda embaçada, tornando uma visão de fora impossível. As mudanças repentinas dos climas temporais é uma característica bastante comum no Brasil, mesmo assim não agradava Julia. A garota andava pela casa nos seus constantes vai e vem em busca de algo para fazer, pois estava tediosa. Seu pai, Paulo, professor de português em período de férias, ao auge de seus 39 anos, percebe a inquietação de Julia e diz:

---Ei, minha filha, o que está havendo?

--Ah, pai, essa chuva, sabe? Eu queria ficar lá fora até dá o horário de ver o vovô, tinha planos de colher algumas plantinhas para ele, mas essa chuva não passa! – Lamentava Julia, pois sentia que a aquela chuva não era daquelas que passariam tão cedo.

-- Sinto muito, filha. Mas pense por um lado, a natureza está fazendo sua parte, assim as plantas terão como se refrescar e as várias queimadas por ai diminuirão. Aproveite esse clima para estudar química, sei que está com dificuldade.

--Poxa, pai, detesto química. Não entendo por que devemos estudá-la. Eu pretendo ser uma professora de algo voltado para ciências humanas quando crescer, ou seja, química não é útil para mim. Hum!

Paulo sorrir e afoga os cabelos de Julia e continua:

-- Querida, apesar de ser uma criança...

--Adolescente! – Retruca Julia.

-- Tudo bem, mocinha, como quiser. Enfim, você sabe que é bem inteligente para sua pouca idade, até presumo o que será quando estiver mais velha. Acho que eu trouxe um pouco disso para casa. Mas, Julia, não devemos nos prender a tão pouco, você sabe disso. Não sou bom em química, mas sei um pouco, é divertido. Seu avô sabe mais, é aposentado na área e poderá ajudá-la a sentir mais interesse.

-- Não! Eu vou dormir com isso. O vovô é formado em história também, gosto quando ele fala sobre Roma, Grécia, Revoluções, e por ai vai. Não quero que ele use química comigo.

--Querida, olhe, só uma coisa: você descobrirá que a química é cheia de mistérios e você vai querer se aprofundar. – Paulo, com um que de mistério, não conseguiu convencer a esperta Julia.

O assunto é dado por encerrado e Julia foi se arrumar para esperar pelo avô. Nesse ínterim, as nuvens afastam-se uma das outras, dando espaço para o sol jogar seu brilho novamente.

*

Um carro prata, Sonata 2015, estaciona em frente à casa de Júlia, no Lago Sul, Brasília. Era o seu avô Roberto. O senhor, 65 anos, é pai da falecida Joana, mãe de Júlia, que morrera de câncer de mama há sete anos. Roberto, formado em Química pela Universidade de São Paulo, fez Mestrado e Doutorado na mesma, também é formado em história pela Universidade de Brasília. Um homem culto, cheio de esperanças na humanidade. Possui ideologias firmes, acreditava que o conhecimento seria o grande salvador do mundo, por isso defendia a educação com unhas e dentes. Roberto formou-se químico por paixão; história, tudo. Para ele a história é fundamental para tudo, pois tudo acaba envolvendo história. E tudo é química. Abusava de sua liberdade de pensamento, chegando ao extremo dos sentidos. “Os grandes pensadores, físicos, químicos, abusaram de suas liberdades pensativas, foram além e nos deram tudo.”, refletia sempre Roberto. Nossos pensamentos são anárquicos, mas se soubermos usá-los pela ciência e para o bem o mundo viverá melhor.

Roberto é recebido com bastante entusiasmo por Júlia, que pulava de alegria e abraçava o avô. Júlia possuía um enorme carinho por ele, adorava os fatos históricos narrado por seu avô. Apesar da pouca idade, a garota se admirava com os relatos bem explicados sobre a segunda guerra, admirando a resistência de um; chorando, pelo massacre de outros. Roberto às vezes se perguntava se haveria necessidade os aprofundamentos em certas ocasiões. Paulo também vem recepcionar o velho Beto, para tristeza de Júlia:

-- Quanto tempo, meu amigo!

-- Ora, Paulo, faz apenas três meses. Minha saúde anda bastante estável ultimamente. Essa velhice toda não é brincadeira, não é mesmo? – Roberto esboça um sorriso simpático, revelando um rosto pálido e cansado. Os cabelos ralos e brancos ainda preenchiam toda a cabeça, mostrando que a calvice não chegará para aquele senhor, um tanto envergado e cheio de meiguice daquela idade.

Nesse tempo Paulo continua:

-- Júlia é um prodígio, aos 13 anos e no primeiro ano do ensino médio. Existem muitas crianças nessa idade na mesma série, mas é difícil. Eu tinha 16 anos! Porém, meu amigo, ela não é das mais adoradoras das ciências da natureza. Digo, ela odeia química e física, mais química. Queria encontrar uma forma de ela gostar.

Júlia retruca:

-- Pai eu estou aqui! Não fale como se eu não estivesse. Eu não consigo gostar de química. Hum!

Paulo faz cara de descontente e Roberto, com seu sorriso sutil, diz:

-- Minha pequena criança, como pode não gostar de química? Ela está em tudo, em toda parte. Por exemplo, seu colar tem um símbolo, presumo que seja de plástico. Certo?

-- Acho que sim. —Júlia dá de ombros.

-- Pois bem. Saiba que o plástico existe graças à química! Ele é derivado do petróleo, criado em 1907 e está presente em todo lugar. Não é maravilhoso? Quero dizer, a química está em tudo, seu smarthphone é um grande exemplo. Aliás, nossas emoções são reações químicas. Aqueles remédios que solucionam algumas doenças, seja placebo ou não, são químicos. Essa ciência é muito importante para a humanidade. Todavia, Júlia, ela possui seus pontos negativos. Vale lembrar que ela, também, pode causar poluições, basta lembrar-nos de suas substâncias tóxicas nos oceanos e infindáveis de outras coisas. Além disso, de forma arrogante, o homem a utilizou para criar armas, sim, as armas químicas, como o gás mostarda que falei para você que foi bastante usado durante a primeira guerra mundial, matando tantas pessoas. A química também é história pura. Desta forma não irei falar de números ou siglas dos elementos químicos, te mostrarei a química de forma histórica. Preparada?

--Sim, estou. Eu acho.

*

Roberto aconchega-se na poltrona de coro na sala. Paulo logo chegou com uma xícara de chá para o avô de Júlia e alguns biscoitos. Roberto solicita a Paulo para que ponha uma música erudita em som ambiente. Não sendo tão rigoroso, Paulo deixou rodar simfonias aleatórias de Chopin. Dando dois goles no chá, Roberto começa:

-- Bom, deixe-me ver por onde começar. Ah, já sei. Júlia, a química torna-se ciência de fato em meados do século XVII, entretanto, já era bastante utilizada há séculos antes de Cristo. Veja bem, 1500 anos antes de Cristo, os egípcios, por exemplo, fabricavam cerveja, objetos de argila, vidro, bronze, etc., há registro de muito mais coisa, não consigo lembrar-me de cabeça. Tarefa de casa: pesquise sobre esses produtos do Egito.

--- Ah, querida, tem uma curiosidade bem legal, desta vez no país berço da filosofia ocidental. Creio que em 47 A.C, dois gregos, Leucipo e Democrito — dois filósofos pré-socráticos, também conhecidos como da natureza, alunos da escola de Abdera — disseram que toda matéria seria formada por partículas minúsculas, os átomos. Por isso o nome ter origem grega que significa não divisível, porém, sabemos que tem como dividir. Não entraremos nisso agora, apenas queria lhe dizer sobre isso, pois é fundamental mostrar-lhe os precursores desses modelos maravilhosos.

--- Aliás, espero que esteja gostando. Não estou sendo técnico, mas mostrando-lhe a química de forma histórica.

Júlia, que estava com um olhar de paisagem para o avô, responde:

--- Está interessante! Quero mais!

--- Certo. Vamos lá!

--- Há outra época, ainda na Grécia. Agora falaremos de um filósofo bem famoso da escola platônica, Aristotoles. Ele disse que tudo existente seria formado por quatro elementos: água, ar, fogo e terra. Sabemos, hoje, que não é bem assim. Todavia, as ideias de Aristotoles foram as mais aceitas na época, fazendo mais sentido para as pessoas. Isso acabou deixando Leucipo e Democrito perdurarem por séculos.

--- Pulando um pouco esses tempos, chegamos a Idade Média. Aqui tudo se mistura: filosofia grega, tecnologia egípcia e o misticismo religioso. Agora, Júlia, sabe o que todas essas coisas juntas se transformaram?

--- Não sei.

--- Bom, ao unir todo esse conhecimento científico da idade média com o misticismo religioso criou-se aquilo que conhecemos por Alquimia.

--Uau! Que legal! Igual aquele desenho, acho que fullmetal alchemist!

--- Não conheço esse desenho, mas pode ser. -- Roberto sorrir e se alegra ao ver a neta empolgada e logo continua.

--- Essas pessoas, os alquimistas, possuíam o objetivo de encontrar a pedra filosofal cujo poder transformaria qualquer metal em ouro. Há outro objetivo também, o elixir da vida longa. Riqueza e durabilidade. Interessante, não? Pois bem, a busca por essas coisas é resultado de um fracasso, mas importante à química. Graças aos alquimistas a química floresceu, fortalecendo a metalurgia, encontros de novas substâncias, como a pólvora. Um pequeno problema era a deficiência da organização de todo o sistema. O compartilhamento dos dados também era horrível, pois os alquimistas utilizavam códigos secretos para as várias pesquisas.

--- Vovô, então como a química se tornou química?

--- Eu já ia chegar lá! Bom, para nossa sorte dois cientistas, Robert Boyle e Antoine Lavoisier, no fim do século XVII, deram à química o status científico que conhecemos hoje, tornando-a mais experimental e menos filosófica. Eles fizeram publicações acessíveis ao público geral. Digo, qualquer um que se esforçasse poderia entender a partir desses trabalhos publicados. Por exemplo, seus experimentos poderiam ser realizados por todos e terem resultados iguais. Agora era possível sistematizar os dados, possibilitando um grande avanço da química. Acho que até, para conceituar essa magnífica ciência, já está de bom tamanho. O que achou?

--- Poxa, vovô, nunca imaginei que a química pudesse ter uma história tão sensacional e antiga! Eu adorei. Quero mais!

--- Querida, depois disso tudo você poderá pegar os conceitos técnicos e começar aplicá-los. Olhe, toda disciplina requer tempo, esforço e prática para aprender. Com a química não é diferente. Não é começando com estequiometria que você irá aprender ou gostar dessa ciência. Júlia, você terá que pegar do básico. O que eu acabei de fazer aqui foi um breve histórico da química, apenas para aguçar sua curiosidade. Hoje temos vias incríveis para aperfeiçoar nossos conhecimentos, temos a internet. Devemos minha netinha, usar as plataformas das formas mais corretas possíveis. No YOUTUBE, por exemplo, você achará introduções bem didáticas sobre química, física, etc. Se você quer, conseguirá!

--- Verdade, vovô! Tem de tudo na internet. Eu vejo muitos assuntos relacionados à história, até demais. Nunca pensei em começar química pelos conceitos básicos.

Nesse ínterim, Paulo do outro lado da sala, numa tentativa mal-sucedida de silenciar, acaba soltando um peido pútrido que ronronou pelo meio das pernas finas dele. O homem, que notará sua tentativa falha de soltar uma bomba de gás fétida silenciosa, fica envergonhado, lamentando-se. Júlia o repreende:

--- Credo pai, que nojo! – Reprime Júlia a má conduta de seu pai.

--- Minha nossa, Paulo! Você deveria consultar um médico! – Lamenta Roberto tapando o nariz.

--- Júlia, vamos para fora, com esse fedor iremos morrer! -- Roberto dá uma piscadela para Júlia e saem.

O dia lá fora estava radiante. Havia poucas nuvens no céu; o chão ainda possuía algumas brechas molhadas. O som dos pássaros vibrantes mostrava o silêncio que pairava sob o ambiente, a rua encontrava-se com poucos transeuntes caminhando. Nesse momento Roberto puxa uma boa quantidade de ar para os pulmões e depois solta devagar, como que se alegrasse com o clima.

--- Sabe o que aconteceu ali dentro?

--- Meu pai foi mal educado.

--- Além disso?

--- Não sei.

--- Aquilo foi uma flatulência. Soa mais elegante, não? Enfim, aquilo foi um gás. Sabe o motivo de termos sentido seu fedor mesmo estando distante de seu pai?

--- Não.

--- Porque o gás tem a forma e o volume invariáveis. Ele tende ocupar todo o recipiente. Isso ocorre porque as moléculas dos gases estão bem distantes uma das outras, espalhando-se pelo ar. Nesse sentido, podemos já imaginar como funcionam os sólidos e os líquidos. Bom, serei rápido, você irá estudar tudo isso, desde o básico, pela internet, tem tudo lá.

--- Certo, vovô!

--- Os sólidos, minha pequena, possuem a forma e volume constantes. Em outras palavras, suas partículas ficam bem pertinhas uma das outras, por isso são mais duros e resistentes. Ora, são sólidos. Por outro lado, os líquidos possuem a forma variável e volume constante. Por quê? Ora, pegue uma garrafa com 500 ml e despeja-a toda em um copo do mesmo tamanho. Verá que sua forma irá variar, porém o volume permanecerá o mesmo, constante. E as partículas do líquido ficam um pouco afastadas uma das outras.

---Poxa, vovô, isso é muito legal. Pareceu fácil assim. Achei que a química fosse apenas cálculos e decorar formula e substancias.

--- Não é só isso, querida. Mas você precisa ficar ciente que encontrará muitos obstáculos em sua jornada de estudo, mas revise sempre. Leia, faça exercícios, veja a mesma aula quantas vezes forem precisas até aprender. Não se esqueça de tirar suas dúvidas sempre com algum professor, inclusive comigo. Qualquer um é capaz de aprender, apesar de muitos nascerem sob perspectivas distintas. Faça todas as notações necessárias, não pare de estudar.

--- Vou agora já ver as aulas introdutórias de química. Espera, antes montarei meu cronograma. Ficarei muito boa em química!

Júlia passou a acompanhar alguns canais no YOUTUBE sobre estudos da química, passando a pagar alguns cursos específicos para ciência da natureza, projetados para vestibulares. Com alguns meses de esforço, Júlia já estava conseguindo resolver questões que considerava impossíveis para seu campo intimo. Agora ela leva com alegria e entusiasmos o poder que a internet pode oferecer as pessoas. “Você se torna um idiota com a internet, ou ficará mais inteligente com ela”, dizia Júlia para suas amigas.