E, OUTRA VEZ, O PAPAI NOEL NÃO PASSOU

      Revirando as raízes da minha memória, retornei à pequenina cidade interiorana onde nasci, há mais de seis décadas. Transpus-me melancólica no tempo, para os saudosos festejos do Natal, para a tão esperada comemoração do nascimento de Jesus Cristo. Nas minhas tenras lembranças, encontrei-me com a singela menina que por lá deixei com seu vestinho branco de barra verde com desenhos da Cinderela e um laço grande na cintura, um adorno no cabelo e o seu lindo sapatinho preto de verniz. Estava no patamar da igreja, onde escutava as badaladas do sino da matriz, que anunciavam a tão esperada missa da Noite do Natal. Encantada, admirava a majestosa banda de música da cidade, que desfilava com o som do trombone, da trombeta, da tuba, da corneta, dos tambores, dentre tantos outros instrumentos. Um deslumbre para a festa natalina! Um encanto para a criançada e contentamento para os inúmeros fiéis. A multidão seguia fervorosa, todos muito bem trajados com suas vestes de gala. No interior da igreja, o coral entoava cânticos natalinos, luzes de velas alumiavam o altar à frente. O padre, com sua linda batina, bordada de detalhes dourados e os coroinhas com roupinhas brancas, davam um ar de pureza e paz ao ambiente. A menininha sonolenta, sentadinha no comprido banco de madeira, dava uma piscadela, por vezes, tentando manter-se de olhos arregalados, olhar fixo para os vizinhos da frente e para o teto, todo desenhado com paisagens religiosas e ainda para os quadros da via-sacra na parede que circunda a Igreja. O seu pensamento estava a mil mas havia ainda muita coisa para ver ao sair do templo. Tinha que acompanhar os pais na pracinha para visitar a lapinha e o menino Jesus na manjedoura, o bumba-meu-boi, as pastorinhas, a queima de fogos e as barraquinhas de brinquedos no decorrer da rua. Só podia mesmo olhar, já que no caminho foi avisada que não poderia pedir nada, as condições financeiras não a favoreciam. No entanto, a pequena estava quietinha, mas avexada para chegar logo em casa, pois a luz da cidade já ia apagar e tinha que chegar na sua morada, afinal, o melhor, o mais esperado, ainda, estava para suceder. Mirando para o céu todo estrelado, para a lua sempre ao seu lado, seguia saltitando para a sua humilde rua. Chegando a casa, adentrou na larga porta de madeira azul, dirigiu-se pelo longo e estreito corredor e entrou no segundo quarto, onde estava a sua surrada e encardida rede, armada logo pertinho da porta. Muito cansada, a garotinha foi deitar, logo chegaria a hora do bondoso velhinho de barba branca passar e deixar o pedido feito na sua inocente cartinha e na meinha vermelha deixada na janela da cozinha. Fadigada, adormeceu. Na manhã seguinte, a menininha acordou junto com o nascer do sol, muito ansiosa para desembrulhar o desejado presente, certamente que o Papai Noel havia passado, já que no outro Natal não conseguiu chegar. Apressada, passou a mãozinha no cabelo, limpou a remela dos olhos, deu um sorriso e olhou para debaixo da rede e viu apenas o costumeiro chão molhado. A sua linda e sonhada boneca amiguinha foi para outro lugar. Muito triste, com lágrimas caindo pelo rostinho, a garotinha levantou-se às pressas e foi ao encontro das crianças da rua, quem sabe, se a sua desejada bonequinha não havia ficado por lá. Não ficou!?. E, outra vez, o Papai Noel não passou [...].

 

Antologia: Um presente de Natal

​​​​​​Lura Editorial