A Semente

Era apenas uma semente fugitiva, caíra de um dos muitos caminhões que ali passavam com todo tipo de carga, mas, pelo menos pra mim aquela carga era especial.

A pequena semente vibrante após a fuga se escondeu entre a grama junto à estrada. Ficou ali quietinha torcendo para que não fosse vista.

Ora! pode parecer a você que ninguém notaria valor em uma pequena semente, portanto, devo explicar-lhe algo sobre valor, ele caminha junto a necessidade e é diferente para cada ser nesta terra.

Ali mesmo naquela estrada havia todo tipo de viajante; às vezes um grupo de pequenos pardais pousava junto a poça que se formava após a chuva; às vezes um casal de ânus descansava à sombraa sombra de um pequeno arbusto; às vezes eram três micos irmãos, que atravessavam a estrada até um conjunto de casas que havia nas proximidades, para garimpar lixeiras ou furtar fruteiras de donas de casas desavisadas com janelas abertas, cada um destes viajantes poderia ter encontrado muito valor em uma pequena semente. Importante dizer é que ela sabia disso; não de uma forma clara como que reconhecendo sua própria importância para outros seres, mas na necessidade de se esconder.

Em algum lugar no coração daquela pequenina semente ela sabia seu valor.

Então após se esconder ela buscou afundar-se ainda mais naquele solo, ainda estava muito exposta, então começou a colocar toda sua força pra baixo e quanto mais força fazia mais protegida se sentia, por algum momento achou que estava sentindo um formigamento nos pés, aí se lembrou que não tinha pés, pareceu um pensamento engraçado mas foi ficando cada vez mais forte até que ela sentiu. Frio.

Úmido.

O chão debaixo de seus pés tounou-se uma coisa totalmente nova, nunca tinha sentido algo tão saboroso então permaneceu ali aproveitando este novo sentido, até que se deu conta de que não podia mais ver o céu. Alívio.

Estava segura.

Mesmo sem ver o céu, soube que a noite havia chegado quando o frio aumentou, decidiu se esconder mais fundo, agora fugindo do frio e o esforço foi recompensado pois pareceu-lhe que todo o frio havia passado e agora sentia um certo calor.

Não fazia sentido pra ela um solo que antes parecia tão frio agora pudesse fornecer tanto calor, mas ela aceitou e já estava quase adormecendo quando percebeu.

O calor não vinha do solo, vinha dela mesma, de dentro de seu coração. O pensamento a acompanhou no sono e ela sonhou.

Se você pensa que uma semente não pode sonhar está muito enganado, tudo o que é vivo neste mundo tem a capacidade de sonhar e ela sonhou coisas estranhas; no primeiro sonho ela era devorada por um pássaro azul de bico curvo e então deixava de existir como semente e se tornava o pássaro, ela voou durante um tempo com asas de pássaro e foi a coisa mais incrível que já sentira; então ainda no sonho ela entendeu que não tinha motivo para temer o pássaro, quase passou a desejar estar de volta na beira da estrada pra poder se tornar pássaro e voar livre até que uma voz disse - Não! e ela não era mais um pássaro, era de novo uma semente sendo levada pelo vento até um pequeno jardim e quando percebeu estava cercada de flores de todas as cores e formas e as flores cantavam, ela não sabia a letra mas sentiu que devia acompanhar e quando notou ela também era flor; o sol batia em seu rosto de flor e iluminava seus recém adquiridos tons de violeta quando borboleta pousou em seu nariz para dar-lhe um beijo, mas não sem antes tecer os melhores de elogios; contou lhe que era dançarina e pediu à semente uma canção alegre; A semente se lembrou que não conhecia nenhuma canção alegre, estava até então, apenas acompanhando as outras flores, mas a borboleta lhe disse: "Todos temos em nós uma canção e ainda que nos esqueçamos ela permanece gravada em nosso coração."

A semente tentou olhar o mais fundo do seu coração que pôde, até que se lembrou.

Havia uma canção de quando ela era outra coisa, não pôde recordava o quê, mas lembrou-se da canção e começou a cantar; imediatamente a borboleta começou a dançar e chamou suas irmãs para acompanhar.

A semente cantou e cantou, o mais alto que pode e as outras flores fizeram coro, mas a canção começou a fazê-la sentir saudade de quem havia sido e ela começou a chorar até ouvir novamente a voz dizendo- Não!.

O último sonho mais parecia um pesadelo; havia chuva, escuridão e um vento muito forte; A pequena semente teve medo de ser levada pra longe mas algo estava a segurando bem firme, por causa da chuva estava difícil enxergar, mas ela viu seres muito estranhos se aproximando, parecida uma família com um pai, uma mãe e um casal de filhos que fugia da chuva, e mais o estranho era que eles eram muito pequeninos, menores que alguns insetos que a semente já havia visto; ver pessoas tão pequenas deixou a semente curiosa e ela desejou poder ajudar.

A chuva estava fria e a família já estava toda molhada, além disso os relâmpagos eram ameaçadores porisso a semente tentou protegê-los, se esticou o quanto pode até notar que tinha braços, não apenas dois como muitos seres, mas muitos braços que ela esticou em direção aquela família até ter certeza que estavam protegidos.

Em baixo de seus braços aquelas pequenas criaturas começaram a se abraçar o Pai colocou todos entre ele e a semente e de costas pra chuva falava com eles.

Ela desejou ouvir o que ele dizia, parecia ser uma oração, mas só pôde ouvir o final- "... plantada pelo Senhor para sua Glória."

A menina abraçou a semente que então ela se deu conta, não eram aquelas pessoas que eram pequeninas, mas ela que era uma grande e poderosa árvore.

Não houve um novo "não" dá voz então ela entendeu.

Quando acordou a semente sentiu alegria, mais alegria do que já havia sentido um dia, ela sabia que possuía "um futuro e uma esperança" e desde então buscou crescer e se fortalecer, decidiu que seria a maior árvore daquela região e que um dia teria centenas de flores em seus braços e já sabia a música que cantaria pra elas, a música dizia: "- seja o que ele te chamou pra ser, se não souber cantar, dance, se não souber dançar, voe, se não souber voar, alimente o sonho de alguém e aprenda a voar com ele, mas acima de tudo sempre que puder estique seus braços e proteja aqueles que estiverem perdidos."