O ALBATROZ

Era uma vez, há muito tempo atrás, numa vila de pescadores, dois irmãos órfãos, que moravam sozinhos, desde que sua mãe, Josephine morrera atingida por um raio na orla do mar, rendida por uma tempestade enquanto recolhia berbigões para o jantar.

Humberto e Horácio, os gêmeos, não tiveram dificuldades em prosseguir sozinhos. Já que muitas coisas acabavam ficando mesmo a cargo deles na rotina da casa.

Porém tudo mudou quando Humberto, na diária procura aos berbigões, deparou-se com algo escavando a areia do mar e desenterrando-se por conta própria. Uma mão decepada.

Com o horrendo apêndice pousado sobre o seu ombro esquerdo, o irmão, empolgado, foi correndo contar o achado extraordinário e Horácio, perplexo, atacou a coisa com um machado, o que causou um verdadeiro pandemônio e uma correria danada, até que Humberto pudesse finalmente explicar tudo.

O que a mão relatou, escrevendo, foi que o corpo ao qual um dia pertencera era de um bruxo, que esconjurou feitiços que tornaram a sua mão esquerda possuída por um demônio zombeteiro que o infernizava dia e noite. Assim, sem escolha, o bruxo acabou decepando o próprio membro depois de dois meses de martírio.

A verdadeira intenção era evocar poderes sobrenaturais que atribuíssem habilidades mágicas à mão, para a prática de alquimia.

Assim satisfeitos, os gêmeos puderam contar com, literalmente, mais uma mãozinha em seus afazeres diários e uma companhia que os faziam dar risadas ao redor da lareira nas noites de frio.

Mas aconteceu que um dia, Horácio, que revezava com o irmão na colheita dos berbigões, conheceu um homem muito velho, com trapos sujos e cabelos desgrenhados e um braço decepado até mais da metade do seu antebraço.

Desconfiando se tratar do bruxo da história contada pela mão, o menino, mesmo assutado, ficou curioso e deixou que aquele ser se aproximasse.

-Menino. Por Deus, lhe digo. Que aquele pedaço animado de carne morta que agora mora com vocês que é o verdadeiro mal aqui. Foi ele quem me levou à loucura e me fez tomar a atitude desesperada que eu tomei e agora ele fará o mesmo com você e o seu irmão. Ouça-me bem.

Alertado de tudo, Horácio entrou em casa pé-ante-pé, sem saber que enquanto esteve fora, a mão, apelidada por eles de Albatroz, por ter pulado no ar um dia e esganado um em pleno voô, tramou todo o seu sórdido plano, envenenando a cabeça do irmão para que este arrancasse um olho do outro e lhe desse, para que assim aumentassem os seus poderes e pudessem desfrutar de toda a sorte de riquezas e sortilégios que o príncipe das trevas lhes proporcionariam.

Foi desse jeito que um irmão tentando matar o outro se enfrentaram e Humberto arrancou um olho do irmão e o deu ao Albatroz.

A luta entre eles durou a noite toda e quase os levaram à exaustão e o irmão humilhado mais tarde arrancou a língua do seu agressor, igualmente envenenado pela mão infernal.

E foi assim que uma mão com uma língua e um olho nas costas existiu. E os gêmeos depois dessa feita, com um demônio morador em cada órgão perdido, passaram a ouví-los e a praticar junto com o seu pai bruxo recém conhecido, aquele mesmo que aparecera na praia para Horácio, com a mão decepada, a alquimia e toda a sorte de magias e ciências aplicadas. O mentor e progenitor dos irmãos, fez para eles um olho de vidro e costurou uma língua de tricô, para compensar a falta dessas partes.

Os três. Ou melhor, os seis, se contar os demônios, viveram sossegados naquela cabana na praia, tendo como vizinho mais próximo um faroleiro numa distante ilha na qual o farol iluminava o breu da noite.

ATENÇÃO:

Em breve estarei publicando a história do faroleiro citada no final do conto. Farei um experimento no estilo de estória encadeadas, como acontece no livro das Mil e Uma Noites. Espero que gostem. Abraço.