O aniversario

Uma musica tocava baixo, uma poltrona vazia, quatro cadeiras vazias e um banquinho ocupado. As bebidas nas tacas, o oferecimento do brinde decorado em duas linguas. A comida jazia na mesa. A sobremesa derretia na cozinha. A janela da sala de jantar entreaberta. O vento que sacudia as cortinas leves. A anedota que planejava contar e a proposta de tocar viola. As flores no parapeito da janela morreram em tres segundos. Ninguem viera. Era o seu aniversario. Tinha comecado a cozinhar de madrugada, a limpar ontem a tarde e a decorar o brinde duas noites atras.

Esperava por tres horas. Convidou o cachorro para o seu jantar. Abracou o cachorro. Chorou com o cachorro que o entendeu muito bem.

Pensara em tudo delicadamente. A escolha do vinho, dos temperos, da toalha branca. Dos assuntos, musicas, olhares e modos. De tudo 'a moda antiga. Dos convites depositados nas caixas do correio. Da ansiedade. Do abraco amistoso.

Nada! Solidao. Cachorro que nao fala e nao usa as maos para comer.

Ninguem viera, telefonara. Ninguem se incomodou.

Foi dormir cedo e resolveu nunca mais tirar a mesa.Ela ficaria ali ate o seu proximo aniversario. A mesma comida, os mesmos pratos, o mesmo vinho nas tacas.

Na manha seguinte sentiu que precisava se vingar. Ligou para seus amigos fingindo ser um primo distante, anunciando local e hora do seu proprio enterro. Havia morrido na mesma exata data em que tinha nascido. Os amigos chocados, sensibilizaram-se muito. E com o lenco na boca gargalhou depois do ultimo telefonema.

No cemiterio esperou pelos amigos. Sentado muito bem vestido sobre a lapide de um desconhecido. Viu uma multidao se aproximando. Inesperadamente, o bairro todo veio em caravana fazendo uma procissao calorosa, cantarolando a sua favorita musica.

Quando o povo o viu, vivo e rindo, sentiu um agudo no peito. Deram meia volta e nunca mais ninguem lhe dirigiu uma so palavra.

E foi assim que ninguem descobriu o ladrao de correspondencias, que agora ria gostoso ao ver tudo isso. Guardou os convites nunca abertos na ultima gaveta e planeja seu proximo roubo.

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 14/10/2008
Reeditado em 14/10/2008
Código do texto: T1228680