Um caminho

Ele caminhava: mãos no bolso, cabelo ao vento, cheio de uma liberdade tão plena que chegava a oprimir (porque a liberdade pode ser tormenta para quem não a conquista com luta, suor e sangue). Caminhava, passos lentos, reflexivos como ele todo. Caminhava e era como se não estivesse ali, como se pisar o chão fosse uma opção, como se viver na Terra ou em outra galáxia fosse nada mais que uma opção, tal era a dimensão da liberdade que o aplacava. As pessoas passavam ao seu lado, poderiam tocar nele, embora ele estivesse intocável, invisível, embora ele não estivesse ali. Mas havia o caminho, os olhos voltados para os mundos possíveis, as mãos desenhando precisas na tela do espaço vazio o esboço dos projetos que fazia sem o compromisso da realização. (Aliás, o compromisso era o que mais temia e o que teria o poder de contaminar o sabor da liberdade que ora experimentava.) Caminhava, e a leveza com que caminhava era a finalidade do caminho, um ato gratuito que se permitia e o peso de um simples pensar em compromisso poderia desfazer as frágeis nuvens de leveza que o cobriam. Caminhava, simplesmente, passos no caminho que não levava a um destino.

(Até que a liberdade se tornasse novamente apenas o sabor de uma lembrança e um ideal a ser alcançado.)