O velório - Pequenas histórias encantadas 1


       No dia em que ele foi embora levou parte dela. Recebeu a notícia na hora do almoço, havia acabado de chegar do trabalho. Iria almoçar e logo depois subiria para o hospital, substituir o caçula na longa vigília. Não foi preciso. O telefonema foi seco e simples : fique calma mas ele morreu. Como já era seu costume sofreu um desmaio parcial, uma leve tontura, um cair ajoelhada no corredor para retomar logo em seguida o controle das emoções. Daí para frente foi uma série de atitudes práticas incluindo passar no Banco e mudar, já que tinha procuração, o saldo bancário da conta dele para a sua, evitaria muitas contrariedades. Depois os cuidados com o velório que seria feito tal qual o do filho mais velho, no Salão do Clube de Futebol, não porque ele tivesse sido apaixonado pelo tal clube, mas o filho fora e em nome dele os associados tão logo souberam do ocorrido foram oferecer o espaço. Também do túmulo de três gavetas comprado dois anos antes e que já abrigava o corpo do filho. Foi então para a porta do Salão e ali ficou amparada pelos amigos, sem ousar entrar. Ficou calada por um longo tempo sem nenhum pensamento especial apenas vendo as nuvens se transformarem no céu de novembro. Foi então que a viu, saindo do Salão: a amante, a que tinha sido sua aluna e a quem tanto ajudara, até descobrir. Trazia junto o menino cuja existência não desconhecia, mas ignorava. Um ódio se apossou dela, um ódio tão forte que se dirigiu até a mulher e a expulsou dalí falando coisas das quais não consegue se lembrar e nem mesmo quis que lhe contassem depois porque certamente delas se envergonharia. Acalmando-se deu as costas a tudo e rumou para casa. Deitou-se para dormir, coisa que não fazia há muito tempo. Foi acordada no dia seguinte na hora do enterro. Levantou-se , tomou um banho e com a alma suspensa acompanhou o corpo até a sua última morada como era sua obrigação, mas nem mesmo se aproximou do túmulo. Ao voltar assumiu as rédeas de tudo. Na Véspera do Natal, quase dois meses depois, todas as burocracias extintas, todos os negócios resolvidos, do jeito que achou melhor, entrou para o banheiro e chorou pela primeira vez, misturando a água quente as suas lágrimas salgadas. Mas não era de tristeza. Era de alívio. (31/01/09)