Rapsódia

Os pensamentos da mulher são agora mãos e olhos mexendo o mingau e vigiando os ovos se fazendo fritos, no aroma de toicinho se desmanchando na frigideira sobre a chama do fogão. Prepara a refeição matinal da filha que se apronta para o trabalho, na fábrica. Se a filha é moça feita e vai se casar no fim do ano, a menina que ela foi entretanto não sumiu, aparecendo tão evidente no resfriado de ontem a noite, nariz escorrendo e ar de criança perdida. Recém-acordada a mãe, enquanto labuta, se enrola nos farrapos do sonho noturno: uma avestruz ou, quem sabe uma ema, seguida de perto por três filhotes palmilhava uma estrada de terra batida.

Comida pronta e na mesa, enquanto a filha não chega sai por um instante à porta do pátio onde a única árvore castanheira escurecida contra um céu cor de viagem, parece olhar para ela. Sente-se compreendida. Ah!, uma vontade doída de partir para a Austrália ou para o cerrado de Minas Gerais, mas, onde matar a saudade de quando as três filhas eram pequenas? Castanholas de grilos apagam-se que a hora é a do canto do galo.

Esta filha que sempre apreciou o bem comer entra na cozinha toda antecipação e sorriso. O tempo é justo e as duas não conversam. Raspando o prato com o fim da torrada a jovem beija a mãe que fica ali na escuta da animada correria pela sala, o bater da porta da frente ressoando na casa ressonada.

Quase imóvel, mulher e consistência quasenadaquasetudo respira fundo, enquanto no clareando de mais um dia adivinha uma vida rapsódia, tênue e forte.