Molde

O lençol carmesim que dividia a sala da cama dos pais, e que pra toda a vida ficaria marcada a distância entre ele e esse outro mundo, era tão tênue que, vez ou outra, acompanhado por uma orquestra de suspiros e pequenos sussurros, o garoto entrevia como a uma serpente, pernas, braços, costas e movimentos dos amantes que sua mãe recebia vez ou outra. No banheiro, único cômodo com porta e trinco, o garoto sozinho tentava fazer parar as imagens recorrentes dos descuidos da mãe. O fluxo incessante pulsava-lhe, incômodo. Sensação boa e ruim.

Um dia cresceu; e o que sentiu, desde então, sempre pareceu perpassado por um lençol carmesim; como se a vida não pudesse ser olhada sem anteparos; como se sempre fosse encontrar com medo e desejo a víbora viscosa de suores pingados, de cheiro ocre atrás dos lençóis. Lençol de carne e suor. Aterrorizante prazer.