A Esquina

Vê-se na rua.

Perdido.

O sinal fecha no cruzamento, as pessoas atravessam pela faixa. Mas ele fica parado naquela esquina esquecida por Deus - Deus! O que houve dessa vez?! Ele treme e olha ao seu redor e começa a pensar coisas que o narrador não faz ideia, mas que observa.

"O que faço aqui sem ter razão de não ser e não sentir. E o que sou além de um ser incógnito parado na esquina do mundo de semáforo fechado. As mortes rondam o perímetro e eu não sei para onde fugir. O sinal continua fechado e as coisas são tão esquisitas quando as vemos por outro ângulo. Eu sou um caçador e a caça a cada segundo que, a passos largos, desbravo essas ruas úmidas e perigosas. O sinal ainda está fechado, mas e eu? Estou fechado? O sinal abre e me lembro de hora que nem me lembrei de atravessar. O teatro, a igreja, a praça e a faixa de pedestres e pedintes. O que faço aqui sem ter razão de não ser e não sentir. Se tudo que sinto é o vento que traz o sereno suave da manhã inebriante das cidades grandes cortadas de ruas tortas como veias e a gente ainda diz que não gosta da cidade. O sinal fechou de novo e alguém grita: Doido! Não vai atravessar? Eu não sei o que dizer agora que as coias tomaram esse rumo. É melhor atravessar sem ter pressa e sem ter razão para não ser e não sentir. Eu deveria estar bêbado, mas não estou e então não vejo por que não atravessar a rua dessa ciadade violenta e volátil, mas o motorista pode estar e então eu morro. Quem dera eu não tivesse medo. E agora eu penso nas pessoas que tem medo de atravessar e ficam estagnadas por causa do carro do mundo. Eu resolvo atravessar e imagino as coisas como são e, enaquanto não reajo nesta cidade cinza, analiso por onde eu devo começar a ser eu de novo depois de ficar mais de meia hora falando sozinho e atraindo a atenção das pessoas e, em especial, do narrador dessa história de tempos atrás. Isso mesmo, estamos no passado minha senhora e... Espera! Não precisa correr... Ela não me ouviu. E agora o sinal já abriu e fechou umas e outras vezes. Pergunto-me se seria melhor dar a volta e voltar de novo outra hora, mas penso que não tenho razão para não ser e não sentir as coisas voltarem ao curso de outrora já que o sinal fechou de novo e dessa vez eu vou atravessar a rua. Mas, será que não esqueci nada? Talvez. As coisas que esqueço geralmente são bem esquecidas e não consigo recuperá-las em tempo. Então eu vou me demorar e não vou poder ir aonde quero ir. Mas agora eu me lembro que me esqueci aonde vou. Droga! Fiquei muito tempo parado e não sei que tempo estamos. Quando estamos parados no tempo podemos nos esquecer de muitas coisas, até do nosso caminho para frente. Agora o sinal abriu novamente e vou atrvessar, vou com a cara e coragem e espero chegar vivo no outro lado.

[Notícia do Jornal do dia seguinte: Homem foi atropelado no cruzamento da Rua... com a Avenida... ontem de manhã. Testemunhas alegam que ele ficou muito tempo parado na esquina e não notou o sinal abrir.]

Então, parado no mesmo lugar, vejo um homem folheando um jornal e enxugando o suor do rosto. O narrado não faz ideia do que ele está pensando, mas o observa.

"Santo Deus! Ainda bem que não fui eu... Cheguei em paz do outro lado"

Valdemar Neto
Enviado por Valdemar Neto em 25/04/2009
Reeditado em 06/06/2009
Código do texto: T1559794
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