Lagartixa

O POÇO I

Saíram para buscar água. Apareceu lagartixa. Susto. Sem balde voltarão sem água. Restou olhar círculos concêntricos eternizados em poço profundo. Sucessivas ondas como sucessivas idades em curso. Hipnose aquática. Ganharam lençol gelado em eterno leito.

O POÇO II

Lagartixa em borda de poço é atração. Meninos gostam de lagartixa. Meninas temem lagartixa. Meninos gostam de ver meninas assustadas. Potes de vidro são casas de lagartixa. Pote em mão pueril facilmente escapole. Fundo de poço é destino de pote de menino caçador de lagartixa. Menino gosta de ver pote mergulhando. Meninos pensam ser possível voar. Voaram para baixo. Como era úmida aquela cama onde descansaram.

O POÇO III

Mulheres sofrem por antecipação, por premunição, por presságio... Sonham mal. Ficam ansiosas. Sonham mal. Vêem futuro. Sonham mal. Pressentem perigo. Viram pior, previram pior, pressentiram pior. Saíram correndo. Olharam lagartixa em cima do poço. Olhar de réptil atrai. Desprezam lagartixa e seu olhar inigualável. Corpos pendentes. Corpos vacilantes. Água agitada. Eterno banho.

O POÇO IV

Homens não vivem sem mulheres. Casa sem mulher é casa vazia. Lanternas em punho. Olhos brilhantes de lagartixa com luar por testemunha. Safanão atira réptil distante. Olhos faiscantes fuzilam. Lanterna apagada caindo. Bordas quebradas com peso de maridos. Largura suficiente para engolir. Fez-se frio para sempre.

O POÇO V

Avós solitárias buscam seus netos, filhos, genros, noras. Passos fracos. Olhos baços. Cansaço. Carência. Sede inclemente. Poço acessível sem balde, sem corda. Sentadas descadeiradas acariciam lagartixa inquieta. Réptil não é afável. Escapa de mãos frágeis. Foge para beirada. Anciãs debruçam-se. Paredes podres cedem como ossos porosos. Lembranças acabaram.

O POÇO VI

Aldeia vazia. Poeira. Travessia inevitável. Caminho minado. Caminho encerrado. Aldeia vazia. Poço cheio está soterrado.

O POÇO VII

Depois de muitos e muitos anos, lagartixa no topo de monturo balança cabeça. Para e ergue queixo. Altiva e solitária é rainha de deserto sem homens.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 06/11/2009
Reeditado em 11/06/2010
Código do texto: T1907742
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