– Cabelos Vermelhos - da série Pequenas Histórias Encantadas (20)
 
 Só para enterrar alguém ela voltava a Terra Natal. E os mortos estavam se acumulando. Dessa vez, outro tio. Entristecida pelas lembranças da infância ela se dirigiu, solitária, para o cemitério. Subiu antes que o morto, foi esperá-lo a beira de sua nova morada. Chegou devagarinho por trás do coveiro. Ele estava ali entretido, dando os últimos retoques. Quando olhou para baixo ela os viu: lá estava a cabeça do morto, uma única caveira, fiozinhos de cabelo na base do crânio. E o outro, aquele que tinha sido o seu amigo querido, ainda não totalmente pó. O terno, indestrutível. A gravata, em frangalhos. E os cabelos ruivos sobressaindo no crânio livre de peles e carnes. Um grito, foi só um grito que ela deu. O coveiro perdeu o rumo completamente com aquele grito que não tinha fim. Não sabia o que fazer. Se jogasse os restos daqueles seres que não eram mais humanos dentro dos sacos que estavam ali à espera, a mulher que gritava acabaria voando em seu pescoço. Se socorresse a mulher, o cortejo que já ia subindo o morro encontraria a ossada ali e poderia ser formada uma orquestra com os gritos e lamentos que acompanhariam o primeiro. Foi salvo pela chegada de uma mulher estranha, toda vestida de preto que firme e energicamente afastou dali o grito  sem fim. Ela nunca soube dizer quem era essa mulher que a acolheu e protegeu. Quando deu por si estava bem longe do cemitério e de seus mortos.