O espelho...

Um dia quando já me tornara homem eu caminhava despreocupadamente por onde minha vontade me levasse e tomei por um caminho... O chão desse caminho era de cascalho e pedras afiadas e aos poucos se fechava numa selva...

Logo me vi isolado, porém meus pés obedeciam a ordem do corpo sem poderem oferecer resistência e segui por esse caminho que se fechava cada vez mais... O meu corpo começava à padecer de cansaço e pelos machucados que se acumulavam. Meus olhos não viam bem devido a mata fechada e a dor aumentava... O tempo foi passando e senti meus pés partidos pelas pedras e dor pelos espinhos que rasgavam minha carne ao passar entre arbustos... Minha roupa se desfazia, eu parava algumas vezes para descansar, mas meu orgulho me fazia mesmo sem forças insistir em prosseguir...

A fome já se tornara aliada do silêncio, a minha voz eu já não escutava mais, estava fraco demais pra chamar por socorro... A sede cortava minha garganta que ardia... Meu suplício aumentava...

Ah, caminho maldito e sem fim... Sem fim também a voz da consciência me acusando de ser o culpado por estar ali...

Mais alguns dias se passaram e eu agora mais dormia, aliás, ficava inconsciente do que prosseguia... Me arrastava algumas dezenas de metros sem escolher direção, sofria delírios, sonhava com minha família me procurando, às vezes achava que já tinha morrido tamanha a escuridão...

Adormeci profundamente e quando voltei vi que o que me despertara fora uma garoa fina que umedeceu meu corpo... Me mexi e senti frio, minhas vestes eram trapos... Bebi algumas gotas de água nas folhas e adormeci novamente...

Não sei quanto tempo se passou, mas acordei e vi que aquelas poucas gotas d’água me deram um pouco de alento e voltei a caminhar... Minha vontade era sair daquele caminho, talvez minha última vontade...

A mata se tornara um pouco estranha, ouvia, mas não via pássaros e percebia cores, deviam ser flores... Ao contornar uma árvore que ao tato devia ser imensa, parei de repente... Vi brilhar um reflexo de algo preso nos galhos de um arbusto...

Tomei o objeto nas mãos e vi que era um caco de espelho. Mirei meu rosto nele e vi algo que me chocou... Meu estado era lastimável... Estava irreconhecível tantos eram os ferimentos...

A verdade estava naquele espelho, eu me tornara aquela imagem refletida nele... Me emocionei e quando limpei as lágrimas tornei a olhar no espelho e ao mudar um pouco a direção, tomei um susto! Por sob meus ombros rasgados e quase nus, além dos trapos, vi um homem atrás de mim... Senti vontade de me virar à ele, mas tive medo... Decidi e me virei diante dele... Ele estava tão calmo e sereno que lhe perguntei:

- Quem é você? De onde veio?

Ele respondeu:

- Você não me conhece bem, mas sabe quem eu sou... Eu sempre estive com você, até mesmo nesta selva. Apenas você não olhou para trás e me enxergou por orgulho... Tome desta água e eis aqui pão, vestes e uma sandália. Te servem e se tens vontade toma-os pois e anda comigo que vou te mostrar, mas para que não te percas, caminha agora ao meu lado...

Faz dez anos que venho por esse novo caminho, sempre trago comigo um espelho pra me enxergar e quanto àquele homem, bem, ele está sempre ao meu lado... E estou melhor...

Cumpri minha missão aqui, a hora é de partir...

Sandro La Luna
Enviado por Sandro La Luna em 12/05/2010
Reeditado em 13/05/2014
Código do texto: T2251642
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