A COBERTINHA
Alaíde começou a tirar as coisas do guarda-roupa: caixas de sapato, latas de biscoito, sacolas e mais sacolas acumuladas em sessenta anos de vida. Recordações, lembranças e um sem fim de tralhas que nem ela sabia a origem, mas por costume continuava guardando. Ah, sim, era o pacote de fitas, daquelas de cetim que antigamente se amarrava no cabelo. Que saudosismo, a festa não era nem dela...
Estava amarelada pelo tempo, a fita branca não servia mais; a vermelha, desbotada e a azul parecia cinza. Desconsolada, desistiu e foi guardando tudo novamente, como num ritual: os panos de prato pintados, as lembrancinhas de aniversário, cartas, folhetos de loja, grampos, bibelôs. Uma existência que cabe dentro do fundo de um lado do guada-roupa. Será que valera a pena? Todas as riquezas estavam ali ao alcance das mãos, infelizmente, sendo consumidas pelos anos.
Os quinze anos da primeira neta, precisava de algo especial que tivesse marcado a vida dela, da filha e agora da terceira geração. Pensou no compacto de Jane e Erundi com a música “não se vá”, a filha ouvia todos os dias nos idos de setenta. Besteira, hoje não existe toca-discos, só cd e também ela não iria gostar da melodia.
Desistiu, colocaria uma nota de vinte dentro de em envelope e ela comprasse qualquer coisa para se lembrar da Vó, era pouco, mas de coração. A porta emperrou e ela encontrou por baixo de tudo o lençol que fora de Lélia. Era uma cobertinha amarela com um desenho de flor, mas tão pequena, que não se sabe como cobria o berço. Bem usada, naquela época a dureza era maior, quando precisava lavar deixava descoberto o bercinho. Sabia até do preço: cinco tostões pagos em prestações junto com o mosquiteiro e um travesseiro.
Lavada, passada e um bilhetinho: “cobriu tua mãe e agora faça parte das tuas lembranças...”.
Dias depois, a lei do uso: revejo a cobertinha, servia de pano de chão na porta da cozinha.
P.S. - Grata por todo incentivo e no aguardo...