AUSÊNCIA

Desejo desesperadamente te ver, tocar tuas mãos, ouvir tua voz e sentir teus olhos rindo dentro dos meus. Numa mistura sem explicação de momentos que vivemos, de recordações ou de encontros que nunca existiram. Eu sei que você não está mais aqui, neste plano terreno, eu tenho consciência da sua morte, mas não posso explicar esse sentimento.Será obsessão ou loucura? Não tenho coragem de contar a ninguém, parece loucura, é uma loucura ou culpa, não sei explicar, só sinto e isto me perturba, me abafa.

Eu tinha dezesseis, estávamos comemorando o ano novo, felizes e movidos a álcool. Rindo e cantando, saudando o ano que acabava de nascer, então ele chegou e eu olhei e fui olhada. Parou tudo, o som, as pessoas, o movimento. Ele tirou os óculos e sorriu e eu senti quem era ele. O beijo na janela sob o luar, a falta de palavras, só o silêncio e a respiração, nada de palavras.

Não marcamos encontro, já estava tudo arranjado, havia uma conspiração universal para a nossa união, não que eu entendesse sobre metafísica, para falar a verdade eu não entendia de nada, só sentia. Era como se nos conhecêssemos e aquele dia fora apenas um reencontro.

Ele não era bonito, era um mulato de traços finos, chegando perto dos trinta, usava corrente de ouro e cabelo grande, normal a não ser pelo violão, que tocava com a alma, fazendo uma melodia viva, cantava também mas era só um complemento.

Era um artista, melhor era um boêmio, daqueles que buscam uma musa e rejeitam a vida real. Cantar e tocar, mas trabalhar... Nada disso importou, como conter o coração batendo apressado, as mãos frias e o rosto queimando? Era paixão e foi cega como as mais reais paixões são. Foi também corajosa, matar ou morrer: se ele não me ama me mato ou morro de amor se ele me amar. E ele me amou. Procuro palavras para decifrar aquele sentimento, mas não consigo. Era uma verdade precoce: um homem e uma mulher se conhecem e se enamoram. Eu me envolvi com toda a magia do encontro, do inatingível, estar com ele era deixar de ter dezesseis, amadurecer para viver uma relação de marido e mulher; ele se encantou com minha juventude, minha poesia, meus olhos negros e embarcou.

Namorávamos como clandestinos, fugindo da vigilância da minha mãe e das ameaças do meu pai, na realidade tínhamos pouco tempo para nos conhecer. Sobrava tempo para sonhar, escrever cartas de amor e desejar a liberdade.

O tempo chuvoso, um farol queimado, o acidente.

A morte, a dor, a saudade.

Um lugar vazio dentro do passado em cinqüenta anos de vida.

Vida vivida na solidão.

Vida?

CrisLima
Enviado por CrisLima em 14/10/2006
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