Vida em Rascunho

A foto estática, sorrisos inalterados, inacabados, perdidos em um domingo qualquer, engolidos pela poeira da última década, explicitando felicidade hipócrita. Alguém chorou, alguém pediu, alguém balbuciou seu primeiro som, alguém fez do travesseiro seu único amigo e companheiro. E aquela ausência..., sendo mais uma vez ausência, e repetindo-se como temível e inevitável ausência.

Romance triturado, mastigado, corroído, sofrendo processo erosivo. "Até que a morte os separe", e não foi ela que os separou, esteve próxima em noites de desespero, mas não foi ela que os separou.

Trabalho melhor, futuro melhor, vida melhor, busca eterna por ascensão, ganância inconsciente. Escravidão temporal, doutrina do relógio, turbulência noturna.

Pijama pelo chão, camisa amassada, pasta abarrotada, na torrada um vestígio de manteiga, no criado um bilhete desolador.

Novamente a barriga crescendo, telefone fora do gancho, na cama uma agulha de tricô. Um soluço, uma lágrima e algumas drágeas dispersas no colchão. Mamadeira, chocalho, pacote de fraldas, boneca de pano, primeiro sutiã, chave do carro, coleção de namorados, abandono do lar. Tempo perdido, assinatura no contrato, solidão como única companheira, a lembrança que não ficou, a espinha que não secou, o fato que não fora fato, a história acabada no meio da folha, uma vida roída por traças, a antagonista que ninguém assassinou.

Natalia Gregolin
Enviado por Natalia Gregolin em 15/10/2006
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