Linhas de fuga

Sofria de palavras:

malditas

das de desditar

e ofender o próximo.

Penava.

Só sabia assim.

O louco da rua conhecendo-a

de menina, lhe oferece a caixa

dos três segundos, que por sua vez,

ganhou do deus das pequenas coisas.

Quem sabe ajuda?

Escuta a história do louco, cre nele,

contra o resto da gente do lugar.

Será que aquela titica de tempo

guardada naquela caixa manchada ia prestar?

A moça se pergunta.

Caixa aberta só consegue vislumbrar um brilhico

de nada, estrela por detrás da chuva.

E a raiva volta para devastar...

Antes de virar panela e xiar,

corre à caixa, abre-a, e procura

que procura o brilho. Nada.

Desta vez nem estrelícia havia,

mas no tempo em que procurava

as palavras desvairadas se desgarraram dela,

sumindo pelo mundo,

ainda mais desvairadas.

Aprende a tocar palavras

em harmonia de pastora.

Há quanto, cansada de si não se surpreendia?

Nem se alegrava?

Deixa-se abraçar pelo espanto,

como se amante.

Se apressa em contar ao louco suas aventuras,

e, dia após dia, devagar,

explora aquele tempo ínfimo e precioso,

quem diria! Quem, ora quem diria?

O louco.

Aquieta-se, confia mais,

experimenta medir dosar

e encontrar o rebanho de palavras,

no meio do qual se alojam feras, com as quais

se excita, pois, descobre-se indomável.

E amavel, amorosa.

O louco da rua, agora seu melhor amigo,

escuta.

Fica devota do deus das pequenas coisas.

A caixa continua na tarefa de lhe ensinar

parar o tempo,

o que a leva a descobrir em si

teimosia persistência e garra.

Troca o tédio pelo espanto,

mora com o rebanho e as feras,

e da destemperança extrai poesia.