Olhares

A sina dela era diminuir-se. Em tudo que fazia o nada lhe figurava a sombra incrustada, às avessas, tornada o seu próprio ser, a nulidade nula. De tanta brancura e vazio, de tanto niilistamente dizer-se não-ser, tábula rasa e inútil concha de ar, empenhou-se aguerrida ao doutoramento nessa arte de apagar-se do mundo de si e do universo alheio também. E ela se consumiu tanto nessa escalada abaixo do ser que não teve olhos de enxergar. Diminutos, não os abriu. Não viu. Nem se deu à visão. Ao contrário disso: lançou-se cega a espatifar-se à consideração de transeuntes vários. Simulou. Dissimulou. Fez que não era. Confessou-se fragmentada. Cindida. Com isso, faltaram-lhe a substância, a matéria-prima, a consistência dos que desejam ser e são, dos que são e querem ser. Olhos de cabeça de alfinete dela não tiveram espaço para nadica de nada. Assassinou-se em si. Funeral não teve porque ninguém soube localizá-la no pó indo ao vento errante em que ela se transformou.