A festa

Chego e sento à mesa. O garçom me traz o que é que tem. Escolho. Espero. Recebo. Começo a comer. Sou surpreendido por ela com umas flores na mão: Compra uma, moço?!! Compro... mas senta aí. Tá com fome? Mais ou menos? Ah, coma! É prá ti. Ao longe o mesmo garçom observa. Vê a menina, talvez oito anos, vendendo flores para não morrer de fome, ali comendo do meu prato. Penso em minha filha. Onde você mora? Revela o bairro periférico da periferia. Ããã. Estuda? Saí. Hoje só vendo flores. Sei. E o que faz com a grana? Passo prá minha mãe. Ela trabalha em casa? Sim: lava para fora também. O garçom continua a olhar, impaciente. Ah! Ela comia como quem tivesse chegado do deserto. Uma amiga aparece e senta ao lado. Traz um perfume de cortar o clima. Sim, bem! Essa é nossa convidada. Profissão linda: vende flores, alegra as pessoas. O rosto dela me dizia uma funda dor. Fico calado ante as duas, que trocam palavras. Sim. Em mim o mundo gira. E eu me permito amaldiçoar todos quantos permitem a indiferença para com a vida. Meu rosto está entre minhas mãos. Meu olhar, fixo em lugar nenhum. Simplesmente me calo. Meu silêncio não é concordância. É um constrangimento de não saber o porquê. Absorto, recebo um susto com o mesmo garçom do lado: Menina, vai prá lá, apontando o outro lado da rua, e completando: não amole meus clientes. Uma fúria quase insana se apodera de mim: ocupo essa mesa e convido minhas amigas; estamos em festa, e você vem desfazer o meu prazer? Ele se afasta um pouco. E eu continuo: se ela sair, eu também sairei. Se esse lugar não é digno de quem vende flores, então ele não poderá merecer a presença de mais ninguém. Minha amiga fez olhos estatalados. A vendedora não tirou o olho de mim. O garçom se mandou. Os três pudemos terminar a refeição. Nossos lados nos chamaram, mas ainda me pergunto: onde andará aquela vida e suas flores?