Nem cigarro nem promessa

era magra, e morena e quanto mais morena mais magra parecia. tinha olhos tristes de olheiras profundas, nunca perguntei seu nome, nem acho que ela responderia. nos encontrávamos sempre em festas na casas de amigos escritores, nem eu nem ela estávamos ali para falar de literatura, procurávamos qualquer lugar quente onde pessoas conversassem de algo que parecesse fazer sentido, procurávamos sair de nossas casas frias, procurávamos fingir que nos divertíamos como se espera que alguém com vinte e poucos faça num sábado, procurávamos. talvez por sermos farsas completas nos reconhecemos logo de cara e não oferecemos resistência, não inventamos conveniências, sabíamos o que nos movia, não tentamos conversar amenidades nem enumerar atividades. ela conhecia melhor a casa e em poucos minutos estávamos distantes do barulho das risadas altas. só a nossa pressa agora nos guiava, sabíamos o que queríamos, e queríamos logo. sempre preferi assim, sem poses e gemidos inventados. toda a falta de estética do movimento de dois corpos sedentos, toda a rouquidão do tesão puro sem aditivos. e depois, nem cigarro nem promessa, só aqueles corpos ofegantes, olhares perdidos e todo o peso da tristeza entrando e saindo das nossas narinas.

Maíra
Enviado por Maíra em 25/12/2006
Reeditado em 16/01/2007
Código do texto: T327688