O jogador

José da Silva amava dinheiro. José da Silva amava mulheres. José da Silva amava carros e mansões opulentas. Ele também amava ganhar, e isso era talvez a sua maior fraqueza. Um dia desses ele levantou de sua cama, se penteou, escovou os dentes, botou seu terno mais caro e foi ao cassino.

Então ele jogou, jogou e jogou, ganhou uns trocados e sorriu, pois era um cara muito sortudo. Todo dia no cassino ele ganhava alguma coisa, e saia sorrindo cada vez mais, pois via que na sua sorte ele tinha uma escada para alcançar todas as mulheres, carros e mansões opulentas que ele tanto amava.

Mas um dia José da Silva resolveu abusar de sua sorte. Ele era ansioso e impaciente, e as luzes do cassino ofuscaram a sua lucidez: Ele apostou absolutamente tudo que tinha, sua casa, seu dinheiro, seu carro, e teria apostado até mesmo sua mulher se fosse possível. Então aquelas malditas cartas, aquela maldita bolinha da roleta, aquelas malditas alavancas de caça-níqueis, todas elas conspiraram contra o pobre José, e o que aconteceu foi que ele perdeu absolutamente tudo que tinha.

Sua sorte, espremida, havia escapado de suas mãos avarentas, e ele agora tinha apenas o desespero para fazer-lhe companhia. Até sua mulher, ao saber que tinha perdido sua casa e sua televisão, foi embora com o loirão da casa ao lado (mas isso não era tão importante, o que deprimia José era que a sua mulher verdadeira e amada, a sua sorte no jogo, também o abandonara).

No dia em que vieram buscar as coisas de casa, José foi esperto e escondeu um revólver calibre 38 em baixo de sua blusa (a única que ainda tinha), e ninguém reparou. Ajoelhou-se na sala de estar, agora vazia, brigou com a sua sorte. "Ah, traiçoeira, maldita!". Encostou o revólver na têmpora, puxou o gatilho.

O que aconteceu foi que ele ficou com uma dor de cabeça desgraçada, por dois motivos: Ele ao puxar o gatilho da arma, fez com que ela lançasse um projétil na direção de sua têmpora. Mas ela não perfurou seu crânio, foi apenas um soco na sua cara molhada de lágrimas. E o segundo motivo foi que o impacto o atirou de cabeça no chão.

Atônito, José deu outro tiro na cabeça. Deu outra porrada com a testa no chão.

Aquilo não estava certo. Onde já se viu? Deu mais um tiro no mesmo lugar, e dessa vez bateu com a cabeça na parede, doeu menos.

Ele queria se matar mas alguma coisa não deixava. "Talvez no céu da boca", pensou ele, e enfiou o cano do revólver na boca. Puxou o gatilho e vomitou ali mesmo no chão, pois o projétil havia descido pela sua garganta a uma velocidade incrível, e voltado em um reflexo imediato.

Saiu de casa, andou alguns metros, ajoelhou-se no chão e começou a chorar. O desespero lhe dominava, colocou de novo a arma na cabeça e atirou de novo. Dessa vez doeu mais ainda, porque a cabeçada foi no meio-fio.

Levantou-se e decidiu que até o fim do dia ele morreria.

Foi até um prédio bem grande e saltou do último andar. Despedaçou o asfalto mas seu corpo continuava intacto. Se jogou numa lagoa. Boiou. Tentou de novo, abraçado com um pedregulho. Afundou mas não morreu. Se jogou na frente de uma jamanta. Ficou tonto com a porrada mas sobreviveu de novo. Entrou em todos os becos escusos, provocou cada bandido que encontrou. Tomou dezenas de tiros e facadas, mas ainda vivia.

Tentou cortar os pulsos. Nem a faca do dono do açougue que ele invadiu (tentando ser estripado) conseguia abrir suas veias.

- Cruz credo, moço, deixa eu trabalhar em paz! - disse o açougueiro.

- Tire meu sangue! Por favor! Só quero morrer! Não tenho mais nada na vida!

O açougueiro, sensibilizado, levou o homem desesperado para o cortador de carne. A serra travou no pescoço de José, mas não cortou. Um cliente, assustado, observava o homem que tentava de todas as formas usar utensílios cortantes para abrir suas veias. Levantou as sobrancelhas, e o açougueiro apenas deu de ombros.

- Obrigado, mas não vai funcionar. - disse José, ofegante.

Subiu no maior prédio da cidade outra vez, saltou de novo do último andar. Abriu mais um rombo no asfalto. Repetiu. Nada de morrer. Sentia como se estivesse em uma crise de insônia gravíssima, fazendo de tudo para dormir mas não conseguindo.

Quando não conseguia dormir, ia ler. Isso lhe dava sono. Agora que não conseguia morrer, achou que o cassino, que lhe tirou tudo, maldito seja, lhe daria como último prêmio a morte.

Entrou, mas não tinha uma moeda sequer nos seus bolsos. Apenas um revólver com mais uma bala. Foi até o banheiro. "Quem sabe no templo da morte eu consiga morrer?", pensou, no momento em que deu outro tiro na sua cabeça. Bateu com a testa no espelho, que se estilhaçou. E ainda estava vivo. Pegou os cacos do espelho e tentou cortar os pulsos. Nada.

Então viu uma moedinha no chão. Tentaria a sorte uma última vez. Deixou o revólver no banheiro, saiu entre as pessoas que se aglomeravam para ver o que havia sido aquele barulho de tiro, foi até o caça-níqueis. Colocou a moeda, puxou a alavanca, e uma correnteza prateada lhe caiu sobre o colo. Aparou com a blusa todas as moedinhas que caiam.

Trocou todas as moedas por notas, levou-as até a roleta e piscou para a bolinha. Colocou tudo que tinha e viu que seu dinheiro se multiplicou por três rapidamente. Pegou todo aquele monte de dinheiro, levou-o ao homem com as cartas, piscou para a rainha de copas, e seu dinheiro multiplicou-se por dez. Dançou com a sorte, fizeram as pazes e viu que sem ela tudo que lhe restava era sua própria morte.

Os dias seguintes, nos quais José comprou um carro de luxo e a mansão mais opulenta da cidade, foram sobretudo um pedido de desculpas. A sorte havia dado uma lição nele, ele agora sabia que sua vida de jogador dependia dela, e daria a ela sua devida importância. Eram mais que apenas companheiros. Eram inseparáveis. Cônjuges.

Morreu velho e feliz, sem casar-se outra vez. Naquele cassino, naquele dia estranho, soube que havia encontrado a mulher de sua vida.

Luiz Gabriel da Silva Conforto
Enviado por Luiz Gabriel da Silva Conforto em 17/07/2005
Reeditado em 19/07/2005
Código do texto: T34994