PARCIONAL

Ela dormia o sono dos inocentes.

Hipocrisia. Perfídia.

Quis acordá-la. Hesitei.

De maneira sigilosa entrei nos aposentos, com uma taça na mão; coloquei-a sobre a mezinha de cabeceira.

Fiquei admirando o objeto de meus desejos, de minha paixão, de minha perdição. Quiçá de minha loucura.

Foi um segundo só.

Em super oito, vi suas peripécias, andanças, vi seus auges. Senti seus diversos cheiros.

É! Diversos. Um para cada momento sem mim.

Foi o que eu disse.

Vi a profanação de nosso tálamo, nossos lençóis maculados, vi nítido o deslustre do nosso ninho de amor.

Rola involuntária uma lágrima no meu rosto.

Voltei da introspecção. Num misto de decepção e raiva, sequei a lágrima.

Estava decidido.

Num ato proposital esbarrei na cama. Ela desperta meio sonolenta, sorrir.

Algumas palavras.

Beijamo-nos. Pérfidos!

Taça na mão. Acompanho o seu gesto. Sorve todo o líquido.

Numa paixão alucinante tive meu último beijo.

Meu beijo suicída.

Eu a beijei e suguei-lhe o veneno também.

Nesse auge, no nosso auge, lancei-lhe minha semente.

Eu. Vista embaçada. Imagens destorcidas.

Nós morrendo.

Zé Salvador
Enviado por Zé Salvador em 25/01/2007
Código do texto: T358218
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