Gatos

Naquela noite, o medo a acordara mais de uma vez. Os olhos mapearam a semiescuridão do quarto e pensou que se fosse um gato, teria os pelos eriçados, as pupilas dilatadas. Gemeu cansada e, nascida dessa imagem, uma ponta de desejo atravessou-lhe o corpo tenso, dolorido, inquieto. Sorveu lenta e dolorosamente um trago enorme do ar ao seu redor. Tentou com empenho todas as técnicas de relaxamento que conhecia. Em vão. Mal os músculos começavam a distender-se e os ruídos a diluirem-se na noite prateada, a garra do gato se cravava fundo no peito, nas costas, no pescoço, nas lembranças. Expirou aos pouquinhos e viu-se menina, distendendo uma bexiga, esvaziando –a e provocando o assobio que a divertia, para depois soprar novamente e deixa-la escapar, rodopiando, como doida, sem destino. Sopra, distende, sopra, esvazia, e o ruído estridente juntou-se ao gato que mia, o rio que corre, o coração em extra-sístole...talvez pressentindo que, se se entregasse ao sono, os sonhos a inundariam e talvez, como o gato, alcançasse os telhados todos que desejava conhecer, quem sabe a lua que prateava a noite....

27/05/2010

Raquel DPires
Enviado por Raquel DPires em 28/04/2012
Código do texto: T3639079
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