O BURRINHO CAPRICHO

UM FAZENDEIRO TINHA UM BURRINHO, que apesar de sua longa serventia, não valia mais nada; nada mesmo – miúdo, decrépito, sonolento, já com suas duas orelhas caídas, olhos remelentos, um verdadeiro velhinho lá no pasto. Seu nome Capricho.

Apesar da menos-valia de seu animal de estimação e de sua atual longa fase de parcos ganhos materiais, ele era por todos reconhecido como dono de uma valentia sem-fim e pela beleza, simpatia e sensualidade de sua amada esposa.

Eis que um de seus compadres, dos mais íntimos, vizinho de terra, há muito alimentava o desejo de querer cantar a bela comadre. E há muito vinha a ela se insinuando (aproveitando as ausências esporádicas do compadre) com pequenos presentes de sua horta, com palavras cada vez mais gentis e mesmo, às vezes, com inoportunas declarações do encantamento que a mesma causava em sua pessoa.

O dia chegou. O coronel havia se ausentado para negociar um gado e o compadre aproveitando a situação fez uma visita à comadre. Sem muitas delongas chegou e foi declarando seu desejo há tanto premeditado, protegido, calado mesmo no seu íntimo. A comadre não titubeou:

- Oh compadre. Pode esperar ai. Meu marido ta pra chegar. Eu vou perguntar pra ele.

Que desastre! O compadre ficou sem lugar, ansioso, transtornado, antevendo as conseqüências de seu ato. Imaginou a reação natural de um marido traído pela mulher e pelo amigo. Pensou:

- To morto. Ele vai me matar.

Passou a arrazoar com a comadre as prováveis funestas conseqüências de sua despropositada denúncia. Por mais que tentava não conseguia e mais sua ansiedade crescia.

O fazendeiro chegou. Retirou o chapéu, o colete; as esporas jogou-as num canto da sala. Cumprimentou o compadre que então parecia mais um bicho acuado. Beijou a esposa que foi logo anunciando:

- Oh meu bem. Você não sabe o que o compadre veio nos propor.

- O quê? Conhecia bem seu amigo e suas trapaças e já foi se inquietando, mas sua esposa logo o tranqüilizou:

- Ele veio aqui propor comprar o Capricho por quinhentos contos.

O compadre não esperou:

- Vim propor não. Ta aqui os quinhentos contos.

CARLOS VIEIRA
Enviado por CARLOS VIEIRA em 14/02/2007
Código do texto: T380655
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