Fumaças I

Chegou em casa no final da tarde, sentou-se no sofá, estendeu as pernas. Num ato automático ligou a televisão à procura de algo que o distraísse. Seus dias sempre iguais e difíceis: os clientes, o chefe intempestivo e algo ignorante, a secretária mal amada e sem atrativos que se insinuava e o tonteava com seu perfume forte e com as cores berrantes que usava. A televisão lhe parecia ideal. Estava sob seu controle. Lá fora a tarde caía quieta e confortável. Da cozinha vinha o aroma do jantar que ela preparava... Ela! Ela que fora tão doce, protetora, bela, educada... Ela que agora vinha quebrar sua tranquilidade com as queixas usuais: o dinheiro que exigia, mas que ele não tinha, os passeios pelos quais ansiava, as crianças que a atormentavam, o lixeiro que não levara o lixo ... da vida... Falava, falava... Ele fingia escutar. Acendeu um cigarro e fixou-se na fumaça que exalava... As palavras desapareceram junto à nuvem de fumo queimado... Ela também se foi, transformada em vaga névoa. A vida se consumindo em cada tragada.