conhecer o mundo

Atingiu a maioridade dos 21 anos, a mulher do vizinho desvirginou-o na maior idade do voto, sem ter tido grande voto na matéria, aos dezoito. Ele não consegue fazer o curso, o pai põe-no a trabalhar na fábrica da família no duro, para "conhecer o mundo". Ganha os seus primeiros salários suados, quer gastar esse prémio que, filho do patrão..., recebe só após trabalho de três meses.

Procura a vizinha para lhe oferecer uma lembrança, ela diz-lhe que acabou o namoro e agora o quer ver com uma namorada a sério, ele nada responde. À noite mete o dinheiro no bolso e vai para o Casino, tem a sorte dos principiantes e ganha condição de comprar a fábrica do pai. Deita-se e adormece vestido, acorda cansado e decidido, como se tivesse pensado numa coisa a cumprir.

Vai ao armeiro, carrega a caçadeira com dois cartuchos de zagalotes, enche a boca com os canos, tenta engolir os cartuchos com dois tiros. Imagino como seu último pensamento conseguir exactidão ao premir os gatilhos, soltando os cães da espingarda, a caírem simultaneamente sobre as espoletas, perfurando os fulminantes e fazendo explodir a carga de pólvora dos cartuchos, soltando a morte em bolas de chumbo, com grande rapidez.

{«Um homem, em Monte Carlo, vai ao casino, ganha um milhão, volta para casa e suicida-se», Anton Tchekhov (1860-1904), frase dum caderno de notas do autor para um conto que não chegou a escrever.

Imaginei o personagem um jovem imaturo, apaixonado perdidamente por uma mulher casada de quem leva com os pés e fica sem mais nada: a sensação de incapacidade para os estudos, o ser filho do papai e capacho na fábrica, para "conhecer a vida", o ganhar milhões e não fazer a mais pequena ideia do que deles poderia fazer, para quê e para quem?, a decisão de se matar como uma conquista pessoal, uma forma de afirmação, um curso de aprovação por unanimidade no exame duma consciência cansada, mal dormida, sofrida e desejando afirmar-se de forma positiva através da negatividade mais completa: ganhar vida própria através da morte! O mais certo, vingar-se do papá, dando a este remorso, má consciência, ou outra ideia de suicida alucinado pela loucura da morte, a plenitude da vida? Já que isto não vale nada, vamos dar-lhe valor!! Ainda não se inventaram ataques cardíacos a pedido do cérebro, vai de caçadeira: ao encontro duma ideia fulminante do pai do conto moderno.}

Francisco Coimbra
Enviado por Francisco Coimbra em 17/09/2007
Reeditado em 17/09/2007
Código do texto: T656387